A nossa relação com o erro e com a ignorância é tão fundamental que parece como se nada fosse tão decisivo quanto não errar, ou não se mostrar ignorante (bem, talvez eu fale só por mim!). O medo ao erro e à ignorância é paralisante, narcoléptico, embota a criatividade e a ação. A consciência da necessidade de ter uma relação saudável com a correção deve ser um dos significados do mote socrático...
Erro e ignorância
O espírito é apenas um
Não tem sentido estender a noção de individualidade ao reino espiritual, o espírito é apenas um. Nossa alma? Nossa alma é a alma do mundo. Talvez quando nos olharmos nos olhos possamos ver algo aí dentro, reconhecer essa coisa. — Nós mesmos? Não, outros como nós. E nos reconhecendo outros talvez possamos lembrar que não devemos temer a nós mesmos. E o feitiço tramado pelo medo se quebrará. Não há...
Ser e parecer
Na sociedade capitalista a ideia de pluralidade, tão cara ao ideário liberal, raras vezes significa a pluralidade do ser, mas a do parecer. Assim se expressa a necessidade de individualização, de diferenciação estética, de singularização da aparência e do modo como se é percebido, mas essa diferença não se expressa com a mesma força nos valores e ideias que animam as ações. (Acho que não é...
História do possível e do impossível
Por volta de 1950, pouco antes de morrer, Wittgenstein escreveu sobre a ideia do homem ir à lua no que depois viria a ser o livro Da certeza. No contexto das suas anotações, essa ideia era apenas um modo de usar ficções e casos extremos para ilustrar aspectos conceituais e gramaticais que de outro modo não seriam notados. Meros vinte anos depois, se tornou real o que era então exemplo patente de...
Promessas da cidade: Madrid
Em 2013, poucos dias depois de haver chegado em Madrid, vi uma imagem que ficou na minha cabeça: uma senhora sentada em sua cadeira motorizada, lendo um livro na rua, embaixo da marquise de um prédio na Calle Luchana. Essa imagem mostra de modo claro a importância da rua para os espanhóis e particularmente para os madrilenhos. Por isso a pandemia foi um tremendo choque para a sociedade espanhola...
Pular o processo: a força da prática
Espírito e técnica Mestrinho disse, nessa entrevista a Nelson Faria, que não sabe ler partitura. Essa é uma ocasião mais que propícia para falar do primado da prática, do fato de que as regras têm uma posição secundária em relação à prática, apesar de vivermos na era dos computadores. Mestrinho disse que insistiram para ele estudar teoria musical, mas ele não queria “passar pelo...
Por que soa ingênuo falar de amor?
Essa imagem é uma comédia! Não há quem possa negar a capacidade mobilizadora do ódio, especialmente na triste circunstância em que nos encontramos, cercados por bolsonaristas. No entanto, mesmo entre soi-disant cristãos, falar de amor parece ingênuo, pois é como se estivéssemos convidando alguém a tomar parte do universo dos ursinhos carinhosos. A crítica da ingenuidade é parte fundamental das...
Colocando coisas diferentes lado a lado
Temos aqui duas coisas aparentemente diferentes. A primeira é Wittgenstein falando sobre a publicidade da linguagem, em diferentes momentos. Se um leão pudesse falar, não poderíamos compreendê-lo.LudWig wittgenstein, Investigações Filosóficas, II, § 327 Um quase-coroinha dizendo algo de aparência bombástica com a ingenuidade de uma criança: Deus, se tivesse olhado no fundo de nossas almas, não...
Acreditar em Lúcifer? O Diabo pode dizer a verdade? O Jesus de Martin Scorsese
Eu nunca li o livro A última tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis, mas vi o filme de Martin Scorsese e gosto muito dele. O Jesus de Scorsese é quase tão bonito quanto o Jesus de Fernando Pessoa, o meu Jesus preferido. Numa das cenas do filme, falando com Jeroboão (?), Jesus lhe diz: — Lúcifer está dentro de mim! Ele me diz: “Você não é o filho do rei Davi, você não é um homem. Você é o...
A bolha como oportunidade para entender a razão
A bolha é uma dessas ideias que circulam pela internet sem que ninguém tenha dúvida sobre o seu sentido, por isso mesmo pode ser uma ferramenta interessante. O que a caracteriza é o fato de demarcar muito claramente um lado de fora, isto é, um espaço interno de pertencimento (a bolha em si) e um espaço externo de exclusão. Nesse sentido, a bolha é algo bem diferente de um certo entendimento da...