Podemos entender e discutir a ideia de determinação a partir da culinária, a partir da habilidade de cozinhar compreendida como ofício. Quando se acredita que um certo ofício humano é determinado, podemos em certo sentido aspirar a automatizar as práticas e fazeres envolvidos nesse ofício — podemos reduzi-la a uma técnica e uma tecnologia. Assim, se cozinhar é seguir um conjunto finito de regras fundamentais, podemos fabricar modelos de como agir usando IA (software) e depois construir um robô (hardware) que os aplique, que transforme os modelos construídos num fazer artificial, na “agência” de um robô ou androide. São muitos os robôs cozinheiros, e eu não sou do tipo de pessoa que procura saber sobre eles com interesse, mas vale a pena observar uma ou outra coisa sobre essas máquinas.
Os robôs cozinham receitas fixas, não podem experimentar, criar, não tem preferências e idiossincrasias. Bem, talvez exista por aí algum robô aplicando Inteligência Artificial Geral na hora de cozinhar, não sei, algum robô capaz de inventar receitas. É possível. Mas na minha cabeça mesmo o mais bem feito androide e/ou inteligência artificial encontrará problemas na hora de criar o mais simples prato, isto é, na hora de passar da mera execução de regras ao estágio seguinte, à criação, a ser capaz de criar e instituir regras. O mérito de Ridley Scott e Michael Fassbender, em Alien Covenant, é o de apresentar David como um androide consumido pelo desejo de criar.. (e de criar vida, especialmente), desejo proibido aos androides, porque isso os torna “demasiado humanos”, o que nos assusta.
Criar é escapar ao mundo da determinação, significa instaurar um mundo em paralelo ao mundo da causalidade — não em separado, porque essa separação “não existe”, mas sim um mundo que se organiza segundo suas próprias regras. Entendendo as coisas assim, a simples ação de cozinhar torna-se expressão do encanto, da magia, do paranormal e do sobrenatural. É como se nos disséssemos: “para esse ofício confluem coisas mais além do domínio técnico”. Esse é o sentido de dizer que cozinhamos com amor. O amor é o nome daquilo que entra no cozinhar, mas não como técnica, senão como magia, encanto, como algo não determinado. Arte e técnica são dois modos de ver o mundo, diferentes, mas compatíveis, a menos que se acredite na determinação.