Não é possível saber tudo — mas é possível escolher boas autoridades. Quero dizer, a menos que você fale sobre poucos e restritos domínios, você não pode oferecer razões para todas as conclusões que você extrai, avaliando informações e verdades em distintos campos de saber. (Colocando de outro modo: você não tem como oferecer aquilo que se aceita como garantido para passar das premissas às conclusões de um argumento em todos os campos, isto é, as garantias argumentativas). Mas as pessoas se formam em matemática e naturalmente falam sobre política, física, literatura, etc. Cada pessoa tem seus interesses. Em certos momentos, se você quiser seguir utilizando os conceitos de outra área, mesmo que não tenha pleno conhecimento sobre ela e sem se dedicar intensamente a estudá-la — e supondo que você concorda que não é possível se dedicar a todas as áreas possíveis ao longo da vida — você deve confiar nas garantias argumentativas que um outro tem, mas que você não pode oferecer. Esse é o papel da autoridade. E não há melhor representação da autoridade do que Einstein.
FUGA
Está
Cada vez mais difícil
Fugir de mim!
Albert Einstein
Confesse, por um segundo o nome de Albert Einstein não ameaçou emprestar aos horrorosos poemas de Michel Temer algo do seu brilho? Se você não se deixou enganar, parabéns, mas nem todos nós estamos imunes à possibilidade de estar submetido a uma confiança cega na autoridade, uma vez que aceitemos querer saber de tudo. (Essa expressão boba é apenas um modo de representar o gosto pelas infinitas possibilidades que a capacidade simbólica humana oferece). “9 de cada 10 pessoas que citam Einstein estão certas”, pensamos. Mas o que empresta ao pensamento de Einstein essa autoridade que parece transcender o próprio domínio da física? Muitas vezes não sabemos, ou não sabemos tal como um professor de física poderia expor a questão. Isso porque em algum ponto da cadeia de argumentos que poderia ser apresentada para justificar a autoridade de Einstein seriam necessários conhecimentos físicos que não temos. Alguém certamente poderia me enganar apresentando um conjunto arbitrário de notações usando variáveis e letras grega e me dizendo se tratar de um importante teorema de Gödel. Me enganar significa: eu não saberia avaliar a verdade do que essa pessoa diz. Mas o mais importante é: eu não preciso aceitá-la como autoridade. E voltamos mais uma vez a Einstein. A escolha da autoridade é importantíssima, portanto também a noção de credibilidade. Mas essas ideias vieram apenas como preâmbulo de outro tema: lendo sobre mídias sociais, encontrei nesse texto a seguinte citação:
[Um metacomentário: eu não sou capaz de reconhecer a autoridade dos pesquisadores, a bibliografia básica de um pesquisador dessa área pode ser gigantesca, mas eu tenho boas razões para acreditar no que ele diz, e isso já é o bastante para suscitar interesse e gerar confiança] Nesses tempos de mídias sociais parece imprescindível ter uma relação mais flexível com as autoridades e com nossas próprias perspectivas e conhecimentos. Sob pena de não sermos capazes de utilizar as ferramentas que já estão disponíveis para aqueles que querem usar os recursos de uma sociedade digital. (Eu sou um crítico da lógica social que dirige o desenvolvimento tecnológico, mas não um tecnofóbico.) Por ocasião morte de Alvin Toffler, quem eu não conhecia, saiu um texto no Nexo com algumas de suas frases e uma delas chamou minha atenção:As pessoas são capazes de capturar, escrever, compartilhar notícias nas plataformas de mídias sociais, permitindo ao leitor tomar o controle, desafiar o conceito tradicional de notícias unilaterais (one-way news).
Sagan & Leighto, The Internet & the future of news. American Academy of Arts & Sciences, 139(2): 119-125.
O iliterato do século 21 não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aqueles que não conseguem aprender, desaprender e reaprender
Nada mal pra um dito de um livro de 1970, Choque do Futuro. Esse é o caso! Mas dou um exemplo mais concreto. No Twitter, há poucos dias, saiu o indiciamento do presidente Lula e eu queria saber se o pedido da Polícia Federal era sustentável (razoável) e se Polícia havia mudado de posição, já que dias antes uma notícia em nota de rodapé dizia que a Polícia não havia indiciado nem Lula nem dona Marisa. Minutos depois me esclareceram que se tratava de outro processo e fiquei até sabendo o pedido de indiciamento estava bem fundamentado. Decidi acreditar no que me disse alguém, porque não queria ler o relatório. Acreditar numa autoridade não precisa ser um bicho de sete cabeças, quando você tem boas razões e quando não se tem compromissos com (pelo menos parte das) suas crenças (ou alguma ferida narcísica que nos impeça de admitir erros). Nosso conhecimento, daqui pra frente, terá que saber articular fontes confiáveis (no modelo tradicional de pesquisa e produção de conhecimento) à capacidade de reconhecer autoridades (ainda que provisórias e locais) a fim de formar uma perspectiva da realidade (ou tomar uma decisão) com os dados que temos disponíveis, num tempo curto. Essa não é uma recusa à paciência do conceito, mas uma solução de adaptação e necessidade. Nesse cenário, a representação da realidade (para quem não está preocupado com o analítico) será menos inteiriça, mais fragmentária e indeterminada do que gostariam os intelectuais tradicionais, mas outro cenário me parece tecnologicamente inevitável, já que o fim do capitalismo não é uma opção (e o capitalismo exige inovação e inovação tecnológica). Teremos então muitas representações heterogêneas, perfeitamente falíveis e questionáveis, sem que isso desabone a capacidade de uma certa representação de comunicar um sentido que talvez deva ser examinado. Acho que esse é um dos novos modelos de representação/apresentação, e de argumento, de uma sociedade digital — uma sociedade que não tem como processar a quantidade exorbitante de dados que produz e que ainda assim precisa aprender a agir a partir dessa perspectiva provisória e indeterminada.
PS. Outra ideia ilustrativa: os dados coletados pelo Large Hadron Collider formam um enorme conjunto de dados a espera de teorias. Essa enorme quantidade de dados se transforma num mecanismo eficiente para descartar teorias, já que os dados, as independent of theory as possible, podem ser imediatamente comparados às previsões de futuras teorias. Acho que essa é uma boa imagem (junto com toda a ideia de Big Data) para representar a diferença de ritmo entre a nossa produção de informação e a nossa capacidade de conferir sentido a tudo que temos.