Um dia triste para a blogosfera

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Demorei muito a descobrir os blogs. Para mim, tudo começou no blog do Rafael Galvão, mais precisamente, na seção As alegrias que o Google me dá. Fui lançado lá por acaso, através de uma pesquisa, e como não poderia deixar de ser, fui presa da sua espirituosidade. Logo descobri que por ali também havia inteligência. Inteligência e humor são duas coisas que eu não dispenso. Passei então a acompanhá-lo e através da sua lista de blogs, percebi que existiam sim pessoas muito inteligentes escrevendo na internet (coisa que então eu julgava improvável). Hermanauta (ainda no subsolo), Marcus (ainda no Velho do Farol 1.0); comecei, através de Rafael, a construir minhas preferências e referências em termos de blogs e leituras via internet. A rede foi se desdobrando em torno dessa cadeia.

Meu agregador de feeds hoje lista mais de 6000 itens não lidos. Há tempos já não dou conta das coisas, todas muito interessantes, mas incompatíveis com as minhas necessidades de produção e leitura. No entanto, sempre encontrei tempo para conferir as atualizações de Rafael. Pra mim, apesar das novas aquisições e das centenas (talvez milhares) de coisas boas que hoje eu sei que existem nessas paragens, Rafael continua sendo o melhor blogueiro da nossa amada pátria. Já não faço ideia de quantas pessoas eu induzi a acompanhá-lo, de quantos textos paradigmáticos eu identifiquei e defendi como se fossem meus. Minha identificação passava pela ideia de mulher, e chegava até os característicos acessos de, como dizer, politicamente incorreto que não raras vezes marcaram os posicionamentos de Rafael. Em questões políticas, nada a declarar, o tempo deixou claro que poderíamos subscrever cegamente tudo que ele dissesse.

Nunca tive a leveza e o talento que distinguiam os blogs que Rafael menciona — aliás, foi só por meio deles que aprendi a necessidade imperiosa de se desenvolver essas características –, e mesmo assim fui prontamente abrigado no rol de blogs à direita do seu próprio, o que nunca deixou de ser para mim uma enorme honra. Um motivo adicional para me sentir como que apadrinhado. Agora, de repente, chega a notícia de que o blog de Rafael acabou. Sinto tristeza como a de quem perdeu um amigo. Nesses tempos em que a superficialidade grassa, a personalidade desaparece sob os escombros de mil códitos de conduta, agora que nossas ações parecem todas cifradas em algum receituário, nos tempos em que as ideias deram lugar à expressão terapêutica das opiniões (a doxocracia da internet), é assustador pensar que não conteremos mais com as suas ideias. Rafael colocava sua inteligência e formação à serviço da  espirituosidade, do humor e leveza que atravessam seus textos. Lê-lo era como sentar no final da tarde de um dia cansativo, com um amigo, para tomar uma cerveja e falar descomprimissada e profundamente sobre coisas as mais diversas. Em nenhum momento o tom debochado comprometia o rigor das ideias que estavam ali, animando a sua expressão. O caráter controverso que com frequência emprestava às suas palavras, dizendo coisas que arrepiavam os zelosos vigilantes das boas maneiras, mal disfarçava seu caráter e o coração de fazer inveja ao mais compromissado defensor do que quer que fosse. Hoje, então, a internet ficou menos inteligente, menos divertida, menos controversa. Adeus, amigo!

PS. Sempre pareceu que os acusadores de Rafael se apressavam em condená-lo. As consequências que eles pensavam extrair dos seus textos mais polêmicos colidiam frontalmente com o sentido profundamente raro de alguém capaz de sublinhar, apontar, e nos dizer algo sobre um momento da história que para a maioria passa despercebido — isto é, colidiam com um sentido profundo de humanidade que jamais poderia se deixar sobrepujar pelo tacalho de qualquer aspecto verdadeiramente importante.

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Por Leonardo Bernardes

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