Abelardo e Heloísa – Parte Final

A

Passeando pelo Rio de Janeiro, Wagner esqueceu de publicar a última parte do seu tratado ensaio sobre Abelardo e Heloísa. Abaixo segue a conclusão. A propósito, perdoem se as atualizações andam escassas. Férias, verão, vocês bem sabem, tudo concorre para o ócio.


A jovem que Abelardo encontrara em casa de seu tio Fulberto contava 18 anos, ele 40. De um lado ele, obstinado a alcançar o destino de sua inteligência, de outro ela, segundo o próprio Abelardo, uma jovenzinha de rara beleza, não a última, mas que superava todas as mulheres em erudição. Esta qualidade tão rara entre as mulheres a distinguia de todas do reino. Ademais, bela e inteligente, como se Deus jamais tivesse escolhido ser tão bom do que quando a criou, pois se ser erudita já seria uma condição por demais rara, ser bela e erudita parece não passar de uma invenção do demônio. Não poderia haver no mundo, portanto, maneira mais própria para promover a perdição de Abelardo.

Se a condição anterior de Abelardo dispusera sobre o coração de Heloísa o seu corpo e o futuro de sua profissão, a nova condição colocara sob os cuidados de sua oração a salvação da alma de ambos, como testemunha a prece que o monge Abelardo suplica que a abadessa do Paracleto recite diante do altar: “Eu vos conjuro, puni no presente os culpados para poupá-los no futuro. Castigai-os no tempo para não os castigar na eternidade. (…) Castigai a carne para salvar as almas.” Até o fim, Heloísa misteriosamente se manterá fiel ao seu amor em um silêncio rompido somente ou pelos movimentos de seu corpo, que deseja ardentemente a Abelardo, ou pelas suas cartas. Ironicamente, o pecado que deve expiar por toda a vida é resultante de sua obediência resignada mais ao seu amor do que a Abelardo. Afinal, se ela faz as vontades dele e não as suas é antes pelo seu amor, não meramente por ele. Em meio a esse cenário, o que E. Gilson pretende estabelecer com seu célebre Heloísa e Abelardo é que Heloísa se fizera mestra de Abelardo no amor humano sem jamais deixar de ser sua discípula no divino. E, talvez, por isso se mostre até superior a ele. Porém, mulher como Heloísa não existe. Assim, solteironas pudicas podem se embriagar em sua festa feminista contra o sexo oposto. Disso todavia concluirá o leitor que romântico este que escreve. Romântico talvez, mas por certo nem mesmo Heloísa existira. Paradoxalmente, tão real, ela não passara de uma personagem criada por ela mesma, produto de um amor vivido até os seus últimos golpes. Sendo uma mulher tão real quanto qualquer outra, diria um erudito francês, ao aceitar ser a personagem principal de uma tragédia, ela se torna tão real quanto um mito, pois sofre de um amor tão forte que a separação do amante só pode ser vista como o castigo mais cruel a que Deus poderia submeter uma alma.

Fragmentos anteriores:
Abelardo e Heloísa – Parte I
Abelardo e Heloísa – Parte II
Abelardo e Heloísa – Parte III

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