O outro

Nos próximos meses precisarei escrever muito e eu acho que é preciso estar à vontade escrevendo. Resolvi então tentar reocupar meu blog. Isto é, voltar a escrever, escrever compulsivamente, escrever sobre qualquer coisa, escrever o que vier a cabeça. Tenho vontade de escrever sobre muita coisa, mas ao mesmo tempo uma enorme preguiça de traduzir as coisas que eu penso numa linguagem que me agrade e que não seja inacessível — que qualquer pessoa razoável possa entender e não apenas quem já pensou certos temas. Difícil satisfazer essa conjunção. Mas a verdade é que eu não sei se realmente me esforço pra isso. Nem se quero me esforçar.

Enfim, satisfazer essas exigências sem culpa e ainda responder a esse impulso (necessidade) de escrever espontaneamente, sem maiores crivos (o que implica também libertar-se um pouco da própria necessidade de ser entendido, por mais paradoxal que possa parecer), é quase como dar lugar a outro.

O conceito de “fato” é um dos que mais me interessam. E isso faz tempo, na verdade. Mas sobre isso acho que nunca conseguiria escrever algo que não fosse muito fechado (e que não tivesse que ser enorme). Então fiquem com uma tirinha.

7 anos do blog

Inadvertidamente, em agosto o blog completou 7 anos. Não que isso signifique muita coisa, mas talvez mereça uma nota. Quando tardiamente eu descobri os blogs muita gente havia começado a escrever desde o começo dos anos 2000, ou mesmo antes. E então me impressionava a longevidade desses blogs. Infelizmente, boa parte deles já não existem — e talvez os próprios blogs já tenham entrado num processo de extinção, sufocados pela imediatidade e alcance de outras formas de comunicação.

Esse não é o destino do meu. Acima de tudo, porque eu nunca fui capaz me propus a escrever para uma grande audiência. Creio que minha abordagem, ou qualquer outro aspecto da minha idiossincrasia, nunca foi capaz de transformar os temas que pintavam por aqui (já naturalmente impopulares) em objeto de maior atenção. Entretanto, não posso dizer dos erros sedimentados e manifestos neste espaço, que a desilusão tenha sido um deles. Em minha cabeça estava clara a necessidade não de encontrar um canal de expressão e de diálogo, mas de construir um espaço que funcionasse a um só tempo como reservatório de ideias e espaço para o exercício da escrita e do estilo. É claro que a relação com os outros blogs, com as outras pessoas, influiu e muito na maneira como, a cada momento, eu realizava as minhas ideias; e também muitos outros elementos concorreram para as coisas ganhassem formas concretas, para além da pretensão de registrar ideias e praticar a escrita. Talvez a necessidade política de escrever e fixar um juízo sobre certos temas tenha sido um componente prático mais determinante que qualquer outro, sempre, porém, animado pelo projeto particular dar melhor forma e expressão às ideias que me ocorriam.

E o que acontece é que, apesar de tudo, eu constato felizmente que este projeto tem sido bem sucedido. Isto é, apesar dos inúmeros equívocos, da vergonha que alguns posts inspiram (alguns até cheguei a apagar), no geral eu sinto que posso constatar um aperfeiçoamento. Apesar dos textos que revelam inegavelmente esse processo, quer pela insipiência crítica, conceitual, quer pelo estilo desengonçado, perdido ainda entre o desejo de encontrar um ponto entre o formal e o informal, hoje eu me sinto mais próximo às coisas que digo que do antes, sinto que elas representam com maior fidelidade o ânimo geral que as inspira e propósito de fundo que lhes dá forma, peso, textura, etc. E de alguns texto tenho até um tímido orgulho.

Gostaria de um dia poder realizar por completo a harmonização entre o que penso e o que escrevo e quem sabe nesse dia eu possa registrar aqui meu contentamento pleno, pois não há maior obstáculo senão à vontade de escrever, ao menos à escrita propriamente, do que a frustração de ver suas próprias palavras trairem seu pensamento, não apenas no conteúdo, que é importantíssimo, mas especialmente na forma, que, a cada dia mais, eu penso tão ou mais importante que o próprio teor do que se diz.

Um dia triste para a blogosfera

Demorei muito a descobrir os blogs. Para mim, tudo começou no blog do Rafael Galvão, mais precisamente, na seção As alegrias que o Google me dá. Fui lançado lá por acaso, através de uma pesquisa, e como não poderia deixar de ser, fui presa da sua espirituosidade. Logo descobri que por ali também havia inteligência. Inteligência e humor são duas coisas que eu não dispenso. Passei então a acompanhá-lo e através da sua lista de blogs, percebi que existiam sim pessoas muito inteligentes escrevendo na internet (coisa que então eu julgava improvável). Hermanauta (ainda no subsolo), Marcus (ainda no Velho do Farol 1.0); comecei, através de Rafael, a construir minhas preferências e referências em termos de blogs e leituras via internet. A rede foi se desdobrando em torno dessa cadeia.

Meu agregador de feeds hoje lista mais de 6000 itens não lidos. Há tempos já não dou conta das coisas, todas muito interessantes, mas incompatíveis com as minhas necessidades de produção e leitura. No entanto, sempre encontrei tempo para conferir as atualizações de Rafael. Pra mim, apesar das novas aquisições e das centenas (talvez milhares) de coisas boas que hoje eu sei que existem nessas paragens, Rafael continua sendo o melhor blogueiro da nossa amada pátria. Já não faço ideia de quantas pessoas eu induzi a acompanhá-lo, de quantos textos paradigmáticos eu identifiquei e defendi como se fossem meus. Minha identificação passava pela ideia de mulher, e chegava até os característicos acessos de, como dizer, politicamente incorreto que não raras vezes marcaram os posicionamentos de Rafael. Em questões políticas, nada a declarar, o tempo deixou claro que poderíamos subscrever cegamente tudo que ele dissesse.

Nunca tive a leveza e o talento que distinguiam os blogs que Rafael menciona — aliás, foi só por meio deles que aprendi a necessidade imperiosa de se desenvolver essas características –, e mesmo assim fui prontamente abrigado no rol de blogs à direita do seu próprio, o que nunca deixou de ser para mim uma enorme honra. Um motivo adicional para me sentir como que apadrinhado. Agora, de repente, chega a notícia de que o blog de Rafael acabou. Sinto tristeza como a de quem perdeu um amigo. Nesses tempos em que a superficialidade grassa, a personalidade desaparece sob os escombros de mil códitos de conduta, agora que nossas ações parecem todas cifradas em algum receituário, nos tempos em que as ideias deram lugar à expressão terapêutica das opiniões (a doxocracia da internet), é assustador pensar que não conteremos mais com as suas ideias. Rafael colocava sua inteligência e formação à serviço da  espirituosidade, do humor e leveza que atravessam seus textos. Lê-lo era como sentar no final da tarde de um dia cansativo, com um amigo, para tomar uma cerveja e falar descomprimissada e profundamente sobre coisas as mais diversas. Em nenhum momento o tom debochado comprometia o rigor das ideias que estavam ali, animando a sua expressão. O caráter controverso que com frequência emprestava às suas palavras, dizendo coisas que arrepiavam os zelosos vigilantes das boas maneiras, mal disfarçava seu caráter e o coração de fazer inveja ao mais compromissado defensor do que quer que fosse. Hoje, então, a internet ficou menos inteligente, menos divertida, menos controversa. Adeus, amigo!

PS. Sempre pareceu que os acusadores de Rafael se apressavam em condená-lo. As consequências que eles pensavam extrair dos seus textos mais polêmicos colidiam frontalmente com o sentido profundamente raro de alguém capaz de sublinhar, apontar, e nos dizer algo sobre um momento da história que para a maioria passa despercebido — isto é, colidiam com um sentido profundo de humanidade que jamais poderia se deixar sobrepujar pelo tacalho de qualquer aspecto verdadeiramente importante.

São Paulo 2010.2

Mal cumpro meus roteiros de escrita. Deixei passar temas propostos e não tenho levado adiante a série Clipping de notícias de interesse eleitoral — embora eu tenha muitas notícias acumuladas nas últimas semanas. Isso se deve a uma conjunção de fatores. Em especial, a necessidade recente de escrever alguns textos para a pesquisa e uma viagem que se avizinha.

Passarei os próximos quatro meses em São Paulo, através de um convênio da USP com a UFBA (além da UFPR). Os preparativos da viagem consomem tempo e causam frequentes dores de cabeça. Pra que vocês façam ideia, eu ainda não sei onde vou ficar, embora minha viagem esteja marcada pro dia 6 de agosto. Isso quer dizer também que os posts por aqui ficarão ainda mais esparsos (se isso é possível). Preciso o quanto antes finalizar meu texto para qualificação, por isso, de agora em diante, meu tempo será quase inteiramente dedicado à escrita.

Apesar disso, se alguns dos meus parcos leitores quiserem sugerir e indicar atrativos em São Paulo, aceitarei de bom grado. O plano é escrever o texto sem enlouquecer, portanto a higiene mental deve estar entre as minhas prioridades — considerando o tempo que passarei pensando e escrevendo.

Adeus comentários Haloscan

O blog nunca teve muitos comentários, mas por isso não é menos triste se despedir dos poucos que aqui escreveram. Já faz mais de um mês desde que o Haloscan foi substituído pelo Echo e desde então os usuários do Blogger que não desejam pagar pelo serviço se debatem tentando encontrar uma forma de importar os comentários Haloscan no Blogger. O Falsa democracia, do André Dahmer (Malvados), acabou por conta disso. Lamentável!

Eu tentei todos os meios. Por fim tentei o mais promissor Tutorial de como comentários Haloscan, usando o WordPress, mas não tive êxito. Instalei o Apache, MySQL, Php5, WordPress, rodei um servidor na minha máquina só pra tentar importá-los mas nada. Eu tenho todos eles aqui, num arquivo XML, mas não há meio de importá-los.

Se alguma alma caridosa souber alguma nova maneira aproveitá-los, eu fico já previamente agradecido pelo favor de me informar. Do contrário, lamento a perda, mas bola pra frente.

Em tempo: o sistema de comentários do Blogger é canalha e pedestre, mas está integrado ao layout e com ele não corremos o risco de sofrer um revés semelhante ao que aconteceu com o Haloscan.

O desmonte da blogosfera brasileira

Hermanauta abandonou o barco. Antes dele Idelber. A blogosfera pátria não repõem as perdas que sofre. É certo que muita gente boa começou a escrever nos últimos anos, mas lhes falta algo (mas não é uma falta que os diminua).

(Eu juro que andei pensando nos últimos dias, antes de saber da notícia da hibernação do Hermenauta, em pedir que ele fizesse um screencast do seu modus operandi. Porque eu sempre me considerei um usuário avançado de operadores de pesquisa e até tenho uma relativa habilidade, mas perto dos achados do Hermanauta eu pareço uma criança engatinhando. O sujeito entendia da coisa. Além de possuir uma memória absurda, coisa que, aliás, eu nunca terei. Enfim, esse é o domínio de certas técnicas e habilidades que um sujeito pode ter, e o Na Prática bem elencou as qualidades do novo papai.)

Mas, como eu disse, algo não se renovou. Quer dizer, não se trata tão somente de substituir pessoas talentosas e inteligentes. Essa boa gente que parte tem, além das sabidas qualidades, um certo poder agregador que é o diferencial. As qualidades dessas pessoas são exponenciadas pela capacidade centralizadora que os transformaram em pontos de amplificação do debate, em eixos de linhas de diálogo as mais diversas. Vejam as discussões do Idelber, ele pautava tanto as conversas de gente que o admirava, como era frequente ler, no blog de pessoas irmanada ao Tio Rei e ao Olavão, comentários nada lisonjeiros sobre seus posts. Para quem nunca entendeu a insistência em acompanhar o Tio Rei, Hermanauta fazia das suas constantes críticas apenas um expediente para apontar um certo um discurso político, muito em voga no Brasil, que não se vê obrigado nem mesmo a ser coerente — quem dirá verdadeiro. E fazia isso com elegância, objetividade e, especialmente, com espirituosidade. Parecia divertido ler aquelas asneiras e procurar, na memória e nos artigos, as contradições mal disfarçadas.

Desde que eu entrei na blogosfera aprendi o valor da objetividade. Com muita gente que, ainda agora, ou antes, sabe identificar e expôr o núcleo de um problema sem se comprometer com nuances que o tornariam desinteressante — coisa que um dia eu aprenderei a fazer. Aliás, que a maioria dos profissionais de filosofia deveria aprender. Mas, repito, o que eles deixam insubstituído é um certo espírito agregador, indispensável em tempos de eleição. Também a espirituosidade para lidar com as coisas sérias, tática mais que adequada para evitar problemas de pressão. Vamos torcer para que outros consigam cumprir essa função — não sei como funciona a coisa a lá fora, mas aqui havia e ainda há muita camaradagem entre as pessoas que se frequentam, isso é muito saudável e aumenta ainda mais a sensação de perda sempre que alguém deixa de escrever — ou para que os antigos, aposentados ou hibernantes, acordem do sono de inverno para novamente nos fazer companhia.

PS. Foi um desmonte tão bem orquestrado que eu penso que a diretoria do Corinthians está dirigindo também os rumos da blogosfera.