Parece sandice supor que se de aprender alguma coisa sobre emoções e sentimentos com os homens, pois eles sabem pouco de suas próprias emoções, e não sabem ser sentimentais, como lembra Bill Bur, por medo de parecer veado. Assim, não foi sem surpresa que eu me dei conta, pensando sobre amor e amizade, que aprendi uma lição sentimental importante com meus amigos.
Com meus amigos homens — brutos e ligeiramente misóginos, como a maioria dos homens — aprendi que gostar dos outros era querer estar perto. Naturalmente nós saiamos juntos, para algum show ou qualquer outro evento, mas o comum era o cotidiano, o sentar na porta de casa e conversar. Sair era exceção, estar junto era a regra*. Catar moedas para beber uma cerveja por longas horas num boteco fuleiro da esquina. Não era nem mesmo o caso de a gente inventar desculpas para estar juntos, nós tínhamos o hábito disso, era diário. É uma tremenda lição, pensando bem, porque assim aprendemos um modo de afeto menos discursivo, mas muito comprometido. Os homens são muito comprometidos uns com os outros, para o bem e para o mal, como nos lembra raivosamente Promise young lady.
Uma lição pra vida, que vale pra qualquer tipo de relação, amistosa ou amorosa: gostar é querer estar perto! Por causa do contexto tecnológico da sociedade digital, hoje em dia me apavora a perspectiva de ter que participar do “mercado afetivo” com as novas gerações, pois compreensivelmente a afetividade entre os jovens tende a ser menos presencial, mais modulada, contida e inibida, menos de toque e de corpo — marcada por um distanciamento que me apavora, a mim, o misántropo Leonardo, imagine só!

No hábito de estar junto não há confissão explícita (“quero estar junto!”), apenas uma ação que se repete e documenta assim o afeto, e ainda que de modo inconsciente e inconfesso, o afeto é real e comprometido. Por mais que reputemos aos homens uma ingenuidade que as mulheres nunca teriam, ainda assim, o fato inegável é a ausência de jogos, uma afetividade pura e cristalina em seus atos silenciosos. Hoje em dia a sociabilidade parece passar por uma espécie de cálculo de riscos de exposição de afeto, um cálculo de todo alheio à vulnerabilidade, além de estar contaminada pela produtividade, ou seja, ela está enquadrada num certo tipo de mentalidade e se expressa exemplarmente em programas e agendas, de tal sorte que as desculpas tornam-se indispensáveis. Nesse cenário onde precisamos do pretexto certo para nos encontrar não há nada que funcione como uma confissão silenciosa de afeto. — Escrever no whatsapp para propôs um programa juntos pode contar como uma confissão não-dita de afeto? — Pode, sem dúvida, mas nem sempre é o caso, pois as relações ganharam um aspecto de mera gestão, de compromisso, agenda e disponibilidade: gestão do tempo e afeto, gestão de network, gestão de pessoas, de recursos humanos envolvidos na nossa vida, até nossos familiares podemos tratar como uma planta a ser regada. Relacionar-se assim é muito diferente de saber que alguém gosta de estar perto da gente, e que tem o dia comprometido pelo hábito/desejo de estar próximo.
Como ensinar outro modo de gostar a quem aprendeu de um jeito tão diferente? Como reverter uma tendência tão aparentemente inevitável, dado o incontornável contexto tecnológico?
Provavelmente essa é a primeira caracterização do que eu chamo de sociabilidade Seinfeld, um modo em negativo de tratar das mudanças da sociabilidade promovidas pela internet e seu gigantesco efeito antropológico e psicológico. O efeito do mundo digital na função da presença na sociabilidade. Noutro dia volto a esse tema.
* Hang out é a expressão perfeita para designar esse modo de estar junto. Existe algum bom equivalente em português, que me está escapando completamente? Vadear, talvez? Vagabundar? A gente não usa tanto essas expressões! Um “rolê” tem essa função no sul?
Banshees of Inisherin é sobre amizade e a sociabilidade da presença. E sobre a necessidade de fins.
