A espontaneidade do amor e da amizade
Nas sociedades conservadoras em que vivemos, a família e as relações familiares (afinidade biológicas, laços de sangue e parentesco) são comumente preferíveis às relações de amizade (afinidade eletivas) porque a família representa a estabilidade, e nós desejamos ardentemente a estabilidade. A família gera um tipo de compromisso que quase sempre redunda em duas coisas (que são, na verdade, uma só): culpa e dever gerador de culpa. E por causa disso, infelizmente muitas pessoas dentro das famílias acreditam piamente que o amor é culpa e dever, e que atos amorosos são atos movidos pelo sentimento de dever e obrigação. A amizade não pode — nem deve — oferecer o mesmo tipo de estabilidade que a família.
O que torna os laços de amizade algo quase indesejáveis em comparação aos laços de família é o fato que aqueles são ocasionais, fortuitos, quase espectrais em sua ocorrência, e às vezes relativamente efêmeros, não podem ser controlados e nem oferecem o tipo de estabilidade (suporte e apoio) que ansiamos nas relações com outros seres humanos. A amizade não está alicerçada na dívida nem no medo, mas na espontaneidade, no estar à vontade, no querer estar perto e estar junto, na conjunção da carne que é também conjunção do espírito. Como o amor, a amizade é gratuidade, dádiva; ela não é reativa como a culpa, mas a ativa — e conectiva, em certo sentido. Doação ilimitada a uma completa ingratidão. Quem está disposto a isso?