Richard Rorty escreve o seguinte no começo desse artigo que eu não canso de mencionar:
Todo mundo sabe que a diferença entre crenças verdadeiras e falsas é tão importante quanto aquela entre comidas nutritivas e venenosas.
Richard Rorty, The decline of redemptive truth and the rise of a literary culture
Talvez não exista analogia mais apropriada, porque assim podemos ver que a verdade tem um impacto significativo na nossa vida, já que a própria distinção entre uma comida venenosa e uma comida nutritiva depende de uma verdade (conhecimento) que coloca cada alimento na sua categoria apropriada e nos permite agir (comer) de modo a preservar a nossa vida. A força da verdade está na sua utilidade, que às vezes, como nesse caso, pode ser uma questão de vida ou morte. A utilidade da verdade faz dela a mais poderosa ferramenta de intervenção (redundância) de que nós dispomos, daí a importância da ciência. Podemos intervir e modificar o mundo porque conhecemos muitas das suas leis, porque temos muito conhecimento (verdade).
E é por isso que diante da sabedoria do fascismo nós tendemos a dizer: “é uma falsa sabedoria!” — Só que não existem falsas sabedorias. A cegueira do conhecimento nos leva a querer operar com o epistêmico em todos os domínios simbólicos, mesmo no domínio da ética. A tudo pensamos poder aplicar a distinção entre o verdadeiro e o falso, e especialmente quando nos convém, como nesse caso. Mais uma dura lição da pós-modernidade: os terraplanistas têm razão sobre a post-truth! Resta saber quando nós também admitiremos isso! Aposto que levaremos muito tempo, para não dar o braço a torcer à “descoberta” dos terraplanistas e conspiradores.
A multiplicidade de sabedorias é como a pluralidade dos mundos, uma prova ontológica relativista. O que só pode ser entendido metaforicamente, já que a pretensão de provar nos levaria de novo a um campo epistêmico do qual eu insisto em sair para poder falar do sentido. Para esclarecer essa quase inaceitável pluralidade, talvez convenha aproximá-la a um comentário de Wittgenstein:
O que as pessoas aceitam como justificação mostra como elas pensam e vivem.
Ludwig Wittgenstein, Investigações Filosóficas §325
Poderíamos dizer igualmente: “O que as pessoas aceitam como sabedoria mostra como elas pensam e vivem”. E acrescentar outro comentário:
“Então você está dizendo que o acordo entre homens decide o que é verdadeiro e o que é falso?” — Verdade ou falsidade é o que os homens dizem; e na linguagem os homens estão de acordo. Esse não é um acordo de opinião, mas de formas de vida.
Ludwig Wittgenstein, Investigações Filosóficas §241
Estamos sempre em busca de um espaço, de uma oportunidade para usar as nossas ferramentas científicas, mas certos acordos não podem ser reduzidos a verdades, certos acordos apenas nos mostram que com frequência precisamos aprender a cruzar as fronteiras de outros mundos para poder afetar outras pessoas.