Não ser capaz de imaginar o cinza

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Na filosofia de Wittgenstein a ideia de que o mais geral não se deixa notar foi uma das minhas mais persistentes obsessões. Wittgenstein formula essa ideia de muitos modos semelhantes ao largo do seu pensamento pós Tractatus Logico-Philosophicus. O que é mais geral escapa a nossa percepção por sua generalidade, diz Wittgenstein. Não podemos ver o que está diante dos nossos olhos, escreve em outra ocasião. Escrevi até um post sobre isso, sobre dizer o óbvio. É muito importante realçar que, embora o uso de palavras do campo semântico da visão e da percepção pareça tornar a discussão epistêmica, não se trata disso — essa observação é estritamente lógica. Aliás, esse uso é uma das ferramentas que o pensamento de Wittgenstein nos proveu e que não soubemos bem utilizar.

Num dos últimos casos de O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, Oliver Sacks conta uma história que ilustra luminosamente o que há de mais profundo na observação de Wittgenstein. É o depoimento de uma menina daltônica desde que nasceu. Ela diz que não lhe incomoda não perceber as cores e chega até a imaginá-las. Ela imagina como seria o rosa e em seguida diz “mas eu não consigo imaginar o cinza”. O cinza não tem pra ela nenhum sentido. Sem a possibilidade lógica de entender o sistema de cores, ela pode ainda imaginá-las, menos a cor que está constantemente presente diante de seus olhos (a mais geral). A imaginação pode alcançar mesmo o impossível, mas lhe escapa o que está diante dos nossos olhos.

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