Variedades do poder: desejo de influenciar

V

Nos cadernos de Wittgenstein há essa anotação:

Eu só posso me tornar independente do mundo — e em certo sentido dominá-lo — renunciando a qualquer influência sobre os acontecimentos. / O mundo é independente da minha vontade.

Poder e influência — duas palavras que andam juntas. No entanto, não é disso que Wittgenstein está falando. O que ele insinua em sua nota é o desejo de controle sobre os acontecimentos do mundo. E a renúncia a esse desejo, necessária para tornar-se independente do mundo. Talvez possamos deduzir do desejo e da renúncia o sentimento de impotência diante da multiplicidade de sistemas sobre os quais não temos domínio. Na vida de cada pessoa a realidade dessa abstração — a impotência diante da multiplicidade de sistemas que se cruzam — se materializa de modo diferente, concretamente diferente, como uma avalanche de eventos sobre os quais não temos controle. E é este o espaço da sorte (e da tragédia). Que sentimento ou circunstância pode inspirar o desejo de se tornar independente do mundo? Alguém que se sente potente diante do fluxo do acontecer, capaz de influenciar os acontecimentos, poderia desejar ser independente do mundo?

Acho que o desejo de independência tem origem no esmagamento e na sobrecarga dos acontecimentos e, portanto, só pode surgir em quem constata a futilidade do desejo de controlá-los. É como se o (domínio || controle || poder) só se consumasse negativamente, não pela realização efetiva do controle, mas pela renúncia quase estoica ao desejo de controlar os acontecimentos. É isso: há algo de estoico no comentário de Wittgenstein, algo que parece se assemelhar à receita da apatia.

O mais interessante, no entanto, é a oportunidade de constatar a obviedade mascarada por estar diante dos nossos olhos: a relação entre poder e influência. Não sem razão influencer/influenciador são palavras em voga nos últimos tempos na internet. O desejo de influenciar é uma das variedades do poder, é parte do indeterminado conjunto das suas expressões.

Desejo de influenciar, vontade de influenciar. Vontade de controlar, desejo de controlar. Desejo de poder.

Influenciar o modo como as pessoas veem suas vidas e experiências, o que elas desejam, o que pensam e o que lhes interessa. Num mundo cujo eixo principal é a Publicidade (e não a Razão), difícil encontrar expressão mais forte de poder. E este é um poder que está ao alcance de qualquer um, pois qualquer um pode se tornar um influenciador. Quem consegue influenciar o que as pessoas pensam e querem tem poder sobre elas. O poder sobre as pessoas é um tipo de poder sobre o mundo (e sobre os acontecimentos), sobre aquilo que está fora de nós. (A renúncia ao desejo de influir sobre o mundo, no pólo contrário, manifesta o poder sobre nós mesmos.) Não é disso o que se trata esse desejo de influenciar, da vontade de poder e potência? A vontade de ter domínio e poder sobre algo externo a nós mesmos? A vontade visceral e corruptora de se sentir poderoso e potente para fazer coisas e pessoas dobrarem-se à sua vontade?

PS. O contrário desse desejo de talhar o mundo conforme a vontade é o amor fati. Ao menos assim me parece. Uma aceitação não resignada, um dizer sim às coisas como se elas fossem necessárias.

PPS. Toda essa conversa me lembra a vontade de dominar, a representação que os fracos fazem do poder, na leitura deleuziana de Nietzsche.

1 comentário

  • Entendo que o filósofo se referia ao mundo como um elemento do universo e sobre o qual realmente,como indivíduo, nada podemos fazer. Os acontecimentos no mundo tomados apartes das barbaridades perpetradas pelo homem enquanto espécie para modificá-lo, não dependem de nós. Somos um acontecimento circunstancial do universo, coisa de alguns milhares ou milhões de anos atrás, que faz coisas que até conseguem modificar o mundo como entendido pelo filósofo.
    O que podemos tentar influencias é aquilo que é simplesmente a visão do mundo, uma interpretação dele intelectualmente.Não somos mais os caçadores nômades que precisavam caçar o alimento, nem os lavradores que plantavam o que depois colhiam para se alimentar. Trocamos o que antes precisávamos caçar ou colher pelo que recebemos de alguma forma prestando serviços que nada tem com essa atividade mas que de um modo ou de outro nos serve.
    A influência sobre este "mundo" é o que podemos tentar e muitos tentam. Mas estas tentativas são sempre escoradas pela vontade de ter alguma satisfação, seja de poder mesmo, seja de sucesso financeiro ou de satisfação pessoal no sentido ético de estarmos fazendo algo que acreditmos.
    É fundamental para uma tentativa dessa que acreditemos na possibilidade. É um risco emocional assumir um tal intento pois na maior parte das vezes não temos sequer com que fazer tal tentativa pois lutamos com forças incontroláveis a nós, como meros mortais.
    Qual o resultado de tudo isto? Nada! Numa população de bilhões de pessoas uma enésima porção delas consegue algum sucesso. E quase sempre são os que, de algum modo, já dispõe de alguma influência sobre este "mundo".

Por Leonardo Bernardes

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