O adiamento da felicidade, a dilatação do desejo

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Talvez você não queira ler esse texto sem antes ter lido o conto de Clarice Lispector, A felicidade clandestina. Muitas coisas podem ser ditas sobre a moral do texto — se é que em realidade ele possui alguma — e uma dessas coisas é: o conto trata da necessária distância entre o que se quer e o que se tem. O que quer a menina? O livro. É tortuoso o caminho entre o seu desejo e a realização desse desejo e conto inteiro se passa nesse interim, entre o instante em que o desejo se apresenta e os poucos momentos em que ela disfruta, e adia, aquilo que poderíamos chamar de sua consumação. A menina quer o livro, mas sua amiga não lhe empresta. Ela sofre por não tê-lo, se submete aos caprichos da amiga cruel até o dia em que, finalmente e não sem dificuldades, ela o consegue. E quando ela consegue, o que ela faz? Ela aproveita, disfruta, saboreia, mas, sobretudo, adia. Adia o prazer de ler o livro, de terminá-lo, mas adia, acima de tudo, a felicidade que sempre esteve essencialmente ligada ao espaço e à duração entre a enunciação do desejo e sua realização. É como se a menina, ao adiar, sabiamente deixasse ver que sabia, desde sempre, que o livro não era tão importante quanto o próprio desejo tê-lo.

É um conto simples que diz algo fundamental e fundamentalmente sabido (ou intuído) por tantas pessoas que, ao lê-lo, tem a estranha sensação de entender algo que já sabiam. E de prestar atenção nisso. E é o trabalho de uma grande escritora chamar a atenção para as coisas que, ainda que saíbamos, não prestamos atenção. Mas para o que concretamente ele chama a nossa ação? Que lição sobre a felicidade ele nos conta? O que esse adiamento diz sobre a felicidade?

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