Eleições 2012: o triste augúrio da cidade negra da Bahia

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Durante poucos minutos assisti ao debate entre candidatos à prefeitura de Salvador. Não aguentei mais que isso. A mediocridade dos candidatos é assustadora e (durante o tempo que estive corajosamente à frente da TV) o debate não passou de um festival de propostas ensaiadas e protocolares, incapazes de nos convencer de que qualquer um deles tenha efetivas condições de impedir que a cidade afunde no abismo para o qual se dirige.

O prognóstico é simples: na prática, não faz diferença quem se elegerá. Talvez soe exagerado julgar equivalentes uma administração do DEM e do PT. Mas, ora, temos razões para pensar assim? Há mais de cinco anos o PT tem reduzido Salvador (e mesmo a Bahia) a mera peça de jogo na definição das suas estratégias nacionais, barganhando nossos interesses em nome das suas alianças. Vereadores apoiam as políticas predatórias propostas pelo neurótico prefeito, com o salvo conduto do diretório estadual (“Queremos metrô e obras da Copa; resto é coisa de Salvador”). O descompromisso histórico com o planejamento da cidade se amplia e se alimenta da omissão dos que hoje se apresentam como nossos salvadores. O PDDU completa quatro anos legitimando a pilhagem e a exploração da geografia urbana de Salvador. Tudo isso aconteceu debaixo dos olhos do PT, quando não pelas mãos de alguns de seus partidários. Sob o nariz de Pelegrino, que reagia ora com indignação, ora com promessas vazias, sempre que instado a se pronunciar (no Twitter) sobre o episódio recente do LOUOS. Agora, não podemos crer que esse mesmo partido que se omitiu, quando o momento era de reagir, será a solução para os problemas da capital baiana.

Os problemas de Salvador são sérios e paralisantes e as soluções, gerais e locais, parecem abstratas e irrealizáveis. O patético debate — e por que não, os patéticos candidatos — reflete a opção por nivelá-lo ao rés do chão, uma escolha razoável se considerarmos que o descaso sistemático com a educação no estado não pode produzir nada além do que eleitores com sérias dificuldades de romper o fino tecido de retórica barata apresentado pelos candidatos. (E veja que, nesse ponto, é preciso fazer justiça à administração de João Henrique que tem na pasta da Educação uma ilha de eficiência em meio ao caos generalizado que constitui a regra da política municipal). Depois de tanto ouvir, em tempos carlistas, histórias sobre como o sucateamento da educação trabalhava em favor da pujante máquina publicitária do então governador, surpreende ter que engolir a desculpa de que a falta de compromisso com os professores é mera responsabilidade orçamentária. Alguém deveria (e logo) apresentar ao governador o esquecido vocábulo planejamento, a fim de que ele evite apresentar seus fracassos como manifestação de responsabilidade.

Nesse cenário sombrio no qual a falta de crítica contribui para a sedimentação de condições deploráveis, é um alento que tenha brotado em Salvador um movimento civil tão qualificado quanto o Movimento Desocupa. O movimento tem promovido regularmente discussões sobre o futuro de Salvador, seus problemas e questões mais urgentes. Mas é uma pena que, por outro lado, ele não encontre amparo significativo na população.

Dentre as questões discutidas pelo movimento, e já anteriormente mencionado, está o uso e planejamento do espaço urbano da cidade, questão que eu considero a mais urgente. O prognóstico é unânime: ou mudamos prontamente as diretrizes que têm orientado o crescimento da cidade ou logo Salvador sofrerá um gargalo econômico. O gargalo econômico é uma ameaça futura que pode tornar-se real se avaliarmos o crescimento que o estado e o país experimentam, mantido o ritmo atual. Não há como, nas condições atuais, sustentar o padrão de crescimento sem que se implementem soluções reais para o escoamento de produtos, serviços e pessoas. Contudo, o gargalo ainda é uma imagem futura, que vai ganhando concretude a cada dia. Real, imediato e desolador é o sentimento de que a qualidade de vida na cidade esvai-se rapidamente. É cada dia mais notório, para quem estiver atento, o quanto o prazer de viver em Salvador cede ao desconforto dos pequenos (e perfeitamente evitáveis) inconvenientes do trânsito. O quanto, para quem pode se dar ao luxo, a vida começa a se organizar em função dos carros nas ruas (pois há bem pouco tempo não era assim, eu lhes digo). Nunca estivemos livres do desconforto das horas intermináveis dentro de ônibus, mas o aumento progressivo do tempo perdido, aliado à precariedade dos veículos e o aumento das tarifas, torna o conjunto especialmente insuportável. Ver crescer monstruosamente a dimensão dos engarrafamentos em horários de pico é indicativo de muitas coisas (dentre elas, claro, da aposta [federal] unilateral num modelo de mobilidade que tem o automotor como eixo principal e, no caso de Salvador, exclusivo): da falta de investimento em transporte público (alternativas, investimentos nas opções atuais e educação para o trânsito), em expansão das vias urbanas, da ausência de fiscalização e cumprimento das determinações legais (ou será que alguém pode dizer que há um órgão operacional avaliando o impacto viário das construções que nascem como ervas daninhas na região do Iguatemi e da Tancredo Neves?) e da omissão das autoridades que deveriam assumir o papel que lhes cabe de ordenar e distribuir a ocupação do solo da cidade.

Como resultado de tudo isso, resta tão somente a tristeza de ver a cidade de Salvador, a cidade negra da Bahia, na expressão de Jorge Amado, maltratada, condenada a uma vida sofrida — sem perspectivas promissoras para o futuro. Tristeza por ver a qualidade de vida dos seus cidadãos expressivamente comprometida e, apesar disso, um silêncio reinante pairando sobre a cidade. A paralisia em face aos velhos novos problemas da cidade, que atinge a todos mas, como sempre, especialmente os mais pobres, é talvez o saldo mais nefasto do descaso com a educação. Talvez devêssemos confiar na esperança de que um dia a dor se faça forte o bastante para despertar o ânimo mesmo daqueles que foram forçados ao silêncio por esse descaso, mas até lá, receio, nós haveremos de sofrer muito e de assistir, amargurados, outros espetáculos como os que vimos na TV um dia desses.

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