O PT e o perigo de lutar com monstros

O
“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” 
Nietzsche, Além do bem e do mal, § 146.

Na internet, muitas pessoas manifestaram enorme surpresa ao ver a foto de Lula e Maluf cumprimentando-se amistosamente. E por isso sofreram (não sem alguma razão) com comentários irônicos de outros usuários. Esses usuários alegavam que não havia nada de surpreendente naquele gesto, pois se o PT obteve tantas vitórias nas eleições recentes é porque aprendeu a aproximar e aliar-se às figuras certas do jogo político, do modo a garantir condições adequadas para vencer. À parte qualquer juízo sobre a estratégia, não é uma análise inverídica. Como não é inverídico dizer que o insucesso eleitoral de alguns partidos mais à esquerda deve-se também à recusa em praticar alianças semelhantes. Não quero discutir se tais alianças são indispensáveis ou não, se há limites para o pragmatismo do PT, como argumentam com bastante força alguns críticos da aliança Lula/Maluf, ou porque táticas dessa natureza parecem necessárias. Se é um fato que, em nome das vitórias que tem conquistado na luta política contra seus adversários, o PT tem aderido a um modelo de enfrentamento no qual alianças com figuras outrora suspeitas é permitido, bem, o me interessa aqui é considerar se não há efeitos coleterais, isto é, se essa mudança não provocou ou provoca também consequências indesejadas.

Poderíamos eleger muito aspectos a considerar, mas um caso particular chamou minha atenção e penso que ele é suficientemente ilustrativo. Trata-se da maneira como a primeira proposta do governo foi apresentada aos professores grevistas. Seria igualmente ingênuo, depois de todos esses anos, esperar que o comportamento do PT no governo fosse congruente àquele professado nas defesas públicas de um educação de qualidade (com investimento e respeito pelas pessoas envolvidas no processo) que seus integrantes manifestavam na impresa (entre eles, claro, o próprio Mercadante, como se vê abaixo). Porém, os comentários exemplares da professora Sylvia Debossan Moretzsohn e do professor Wagner Ferreira Santos, mostram que há muito mais do que uma mera quebra de expectativa, um desnível entre o que se esperava e a realidade. Há sim e surpreendentemente as velhas e conhecidas estratégias por meio das quais a opinião pública, com o beneplácido da imprensa, é alvo de uma complexa máquina de distorção.

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Que se admitam novos padrões de alianças em nome do sucesso eleitoral, tudo bem, que a realidade não se mostre tão encantadora quanto pintavam os artigos e ideias que nos foram vendidos, podemos entender, mas que todo esse cenário seja sistematicamente omitido por meio das mesmas estratégias e pactos que historicamente denunciamos, isso parece inadmissível e sintomático. Após mais de dois meses de greve, não se lê uma vírgula sequer mesmo nos blogs mais combativos da oposição. Que ninguém (situação e oposição) acredite que o descaso com os professores mereça atenção, e possa se tornar objeto de possível crítica, é sintoma de que as diferenças andam minguando perigosamente. Indicativo de que o PT precisa retornar às suas bases, sob pena de tornar-se a imagem especular do PSDB,  “monstro” que sempre combateu.

Se pragmatismo é a palavra chave para justificar ações e fustigar aqueles que se aferram a ideias e princípios ineficientes, incapazes de conduzir à vitória eleitoral, meta de todos os partidos, é preciso não esquecer que são as práticas — e não um quadro frio de ideias — que definem as posições políticas. Se um partido trata com desconsideração movimentos sociais, não pode ser denominado de esquerda, não pode brandir com honestidade seus símbolos e ideias — nem mesmo sua história! Em muitos aspectos da administração pública federal o PT precisa voltar a agir como um partido de esquerda, ainda que isso lhe custe um ônus adicional a ser gerenciado. De outro modo, a persistir esse rosário de decisões lamentáveis, talvez seja tarde demais para reverter o processo de transformação, o PT terá por fim se transmutado num monstro e os efeitos colaterais dos remédios responsáveis pela musculatura eleitoral do partido não terão sido válidos (ou terão? sussura o espírito maquiavélico que sempre espreita o uso da expressão pragmatismo).

PS. Há outros setores, muitos, que mereceriam críticas semelhantes por abrigarem o mesmo tipo de conduta. Educação, no entanto, é sempre um campo especialmente preocupante. Aliás, na Bahia a greve dos professores estaduais já completou 100 dias e o governo petista luta para não pagar o piso salarial dos professores (e nem mesmo admite a justa redução da jornada de trabalho daqueles que tem carga horária semanal de 40h).

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