A gente também se fortalece

A gente também se fortalece.
A gente dá energia uns aos outros.
A gente encoraja, a gente nutre.

É difícil acreditar nesse conjunto de proposições. Quem pode olhar o mundo e dizer que nós nos fortalecemos, dizer que isso é verdade? Acho facilmente defensável a ideia contrária, de que nos enfraquecemos. Acho facilmente defensável a ideia de que nos apequenamos, nos humilhamos, amendrontamos uns aos outros. Somos um peso, um fardo uns pros outros. Nós nos enfraquecemos! — eu diria, definitivamente. (Qualquer pessoa que espere sempre o pior do ser humano tem a seu favor fartas razões.) No entanto, não é como se a constatação do fato de que nos enfraquecemos impedisse que a gente também pudesse se fortalecer. Temos também essa capacidade, ela só depende da atitude de cada um. Mas como podemos nos fortalecer? Há muitos modos de nos fortalecermos, eu falo aqui sobre apenas um desses modos, a hospitalidade.

A primeira vez que estive na Galícia nós chegamos em Marin quase onze horas da noite. Estávamos mortos de fome depois de 6h viajando de carro. Por sorte encontramos um mercadinho que fazia às vezes de bar, lá dentro havia o suficiente para gente preparar um jantar rápido. Entramos eu e Jana e topamos com um camarada careca que trabalhava lá, falando num sotaque que até então eu não conhecia. Parecia muito um amigo argentino que temos em Madrid e eu perguntei sem pensar: “você é argentino?” Um milésimo de segundo depois me dei conta de que não seria absurdo imaginar que alguém pudesse tomar essa pergunta como uma provocação. Eu confesso que sou uma pessoa demasiadamente maldosa, mas não gasto minhas palavras, o verbo que me foi soprado pelo próprio Deus, usando identidades nacionais como formas veladas de ofensa e provocação. Menos ainda a amada identidade argentina, à qual sinto tanto dever. (Dever não é bem a palavra, mas vamos ficar com ela de momento). Por sorte ele tampouco tomou minha pergunta como signo de outra coisa que não a mera curiosidade. Conversamos um pouco, ele foi muito gentil, nos falou sobre alguns produtos e, ao final, compramos uns bonitos dentes de alho e um chorizo galego. Nos despedimos e enquanto eu caminhava em direção à saída vi um queijo que parecia muito o queijo coalho, que comemos na Bahia — e eu morrendo de vontade de comer um queijo coalho. Perguntei a ele que queijo era aquele e expliquei a razão da minha pergunta. Depois de saber que não era o que eu esperava, me despedi mais uma vez e ele pediu que eu esperasse. Entrou por uma porta e logo voltou com um pedaço de papel alumínio, cortou um naco generoso do queijo e me deu. Eu fiquei embasbacado, agradeci como pude, me esforçando por demonstrar meu apreço pela sua ação, mas estava meio sem graça.

Uma pessoa não pode ser hospitaleira se praticou a hospitalidade apenas uma única vez na vida, como diria o velho Wittgenstein:

Seguir uma regra, fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar uma partida de xadrez são hábitos (costumes, instituições)

Wittgenstein, investigações filosóficas § 199

O que faz a hospitalidade é o hábito de acolher calorosamente. É certo que esse gesto foi apenas um entre tantos que certamente existiram no passado e existirão no futuro. Para esse bom camarada, não havia ali nada que fosse digno de ficar na memória, era apenas um dia qualquer da sua vida, como os outros dias. (Ele seria, nesse dia, quem ele sentia que devia ser todos os dias. Se ele fosse hospitaleiro como foi conosco, isso significa que boa parte do seu dia seria preenchido com essa atitude. Ele era moldado pela hospitalidade. O hábito do cachimbo deixa a boca torta. A gente também pode ser moldado pelo melhor. O cachimbo é apenas um instrumento que ilustra a força do hábito na formação intelectual humana.) Mas não era disso que eu estava falando, eu tava falando de como aquele gesto era para ele tão natural. Eu, por outro lado, naquele momento, senti como se fosse plantada uma semente no meu coração. Na certa porque eu sou ridículo e piegas — é verdade! — mas isso não tira a força simbólica do fato. Eu entendi a força da ideia, da hospitalidade. Da ideia não! — da prática da hospitalidade. Entendi o que ela tem de caloroso e justo, o que ela tem de forte. A hospitalidade é uma força ancestral que nos atravessa, que nos permite que nos reconheçamos uns nos outros. Que vejamos nossos longos, longuíssimos laços. Não dá pra esquecer o que disse Mandela sobre Ubuntu:

Talvez nunca pudesse reconhecer a força da hospitalidade se não tivesse me criado na cidade negra da Bahia e se essa semente não tivesse encontrado um solo em que medrar. Não tô dizendo que não existe em São Paulo pessoas hospitaleiras, eu sempre tive a sorte de encontrar em minha terra pessoas muito queridas. Seres humanos que são o melhor da nossa raça, se é que isso ainda significa alguma coisa. Tem significado muito pouco! Mas é que na Bahia as pessoas podem ser muito receptivas. Há muito de alegoria, muito de broma, mas há também muito de verdade na fantasia. A hospitalidade é uma tendência à amizade, ao entendimento de uma pluralidade, uma pluralidade que não se reduz a nenhuma identidade e que não pode ser instrumentalizada por o que ela tem de coeso, pela sua unidade. A hospitalidade é esse embaralhamento constante pela influência da diversidade, o saudável apagamento da identidade pela força da miscigenação. (É nesse sentido a anti-pureza.) A estabilidade da identidade, que nunca pode ser apagada, dá lugar a uma instabilidade constante (que não se estabiliza) que pode ser usada para compreender o diferente. Que pode ser usada para se tornar o diferente, pra mudar de pele. A estabilidade da identidade gera inevitavelmente uma resistência à mudança, dá lugar ao narcisismo das pequenas diferenças, mas sem a estabilidade da identidade nós tendemos à loucura — ao afastamento, à ruptura com a comunidade de acordos entre seres humanos. A tendência à amizade é a uma das melhores disposições humanas, ela é imensamente poderosa e nos fortalece. Na Bahia, a qualquer instante a gente pode conhecer novos amigos, ou virar instanteamente melhor amigo de alguém.

Eu acho que nós tendemos a acreditar que somente a dor se fixa na memória, como se tivéssemos sempre que nos valer disso. E por essa razão, hoje, parece tão importante lembrar do que nos fortalece e nutre.

Talvez nada exista de mais terrível e inquietante na pré-história do homem do que a sua mnemotécnica. “Grava-se algo a fogo, para que fique na memória: apenas o que não cessa de causar dor fica na memória” — eis um axioma da mais antiga (e infelizmente mais duradoura) psicologia da terra.

Nietzsche, Genealogia da moral §3

Como se as coisas só pudessem ser fixadas em nós por meio do medo e do fogo e só tivéssemos a nossa disposição uma pedagogia da dor. Também podemos integrar, absorver e aprender com o amor e a amizade, com a generosidade, com a hospitalidade, embora predomine o medo de parecer ingênuo ao acreditar nessas coisas. Acreditar que podemos nos fortalecer, dado que parece tão fácil constatar que nos enfraquecemos, é o tipo de mentalidade que condenamos justo porque aparentemente não oferece nenhum modelo prático de ação (política e ética). Mas como nos lembrou Mandela, como nos lembra Carlos Taibo, não há somente romantismo ingênuo em acreditar que podemos agir de outra maneira em relação aos outros. Essa atitude é também parte da nossa história, da história de tantos povos tão diferentes espalhados pelo mundo, e ela não pressupõe a crença tola na prevalência da bondade, mas aceita as recônditas reentrâncias da alma humana sem ilusão. Aceita porque reconhece em si mesmo as sombras dessa alma.

Eu queria saber escrever mais sobre a hospitalidade e sobre outros modos de fortalecer, já escrevi algumas coisas sobre a amizade e o amor, mas talvez convenha ler sobre a hospitalidade alguém que eu nunca li, Jacques Derrida (é uma pena que o texto esteja fechado, ele me inspirou a vontade de ler o que Derrida escreveu sobre hospitalidade). Um dia talvez eu possa voltar a esse tema com algo mais substancial a dizer, ele me merece nossa atenção.

Lições sobre carinho e consideração

Certas coisas se dizem não sem acanhamento, sem algo de vergonha de parecer piegas. Talvez por isso Fernando Pessoa tenha dito que todas as cartas de amor são ridículas. Entretanto, nesse tempos em que toda sorte de estupidez é dita sem constrangimento, parece necessário o esforço para superar a hesitação de falar de coisas aparentemente piegas.

Essa lição aprendi no terceiro ano, ou melhor, comecei a aprender ali. O aprendizado não é sempre um processo linear e definitivo, às vezes ele reverbera e se conclui só depois de longos anos. Então eu estudava no Colégio Estadual Ypiranga, em Salvador, era o segundo ano em que eu estudava num colégio público. Minha turma era muito legal, heterogênea, eu tinha uns poucos amigos que me haviam acompanhado no segundo ano e outros novos. Lembro de meu amigo Gilson, que morava em Candeias e vinha toda manhã estudar no centro da cidade, — o colégio ficava da região do 2 de julho. Ele estava quase sempre com tanto sono que mal podia acompanhar as aulas. Eu morava na Boca do Rio e entre minha casa e o colégio era quase uma hora de viagem, imagine então quanto tardava a viagem para quem morava em Candeias. Quase todo mundo trabalhava: eu tinha começado a estagiar na SAEB (Secretaria de Administração do Estado da Bahia) naquele ano — há 20 anos, em 1998 —, e lembro, por exemplo, de uma amiga que trabalhava numa loja em um shopping e também de um colega que trabalhava como camelô na região do Iguatemi. Tudo isso fazia com que ficasse muito evidente, para mim, a diferença entre o ensino público e o ensino particular, não apenas em termos da estrutura, das condições gerais, mas em termos pessoais, de como as pessoas encaravam a vida e suas dificuldades.

As dificuldades que enfrentávamos nos colégios públicos faziam com que a tarefa de ensinar fosse ainda mais difícil do que é. Não precisávamos de professores inclinados a despejar o que sabiam sobre nossas cabeças, conforme  o que Paulo Freire chamou de modelo bancário de ensino. (Quem precisa disso?) Precisávamos do que todos precisam, de alguém que reagisse ao que nós éramos, ajustasse seu modo de ensinar, ainda que inevitavelmente orientado a um currículo, ao nosso ritmo, a nossas dificuldades de formação e de vida. Remés, nosso professor de Química, tinha esse perfil. Ele era exigente, mas também tinha a preocupação de nos assistir, orientar, entender. No final do ano Remés sugeriu que fizéssemos uma festa de despedida. E assim combinamos uma festa na casa de um dos nossos amigos.

Com 17 anos eu já havia aprendido boa parte das lições do universo masculino. Eu sabia mostrar-me pouco amistoso, agir com hostilidade e não me faltava o que dizer se sentisse que era necessário me impor por qualquer razão. Em uma palavra, estava bem armado. No dia da festa eu cheguei pela primeira vez em São Caetano. Por razões sintomáticas, quem mora em certas regiões de Salvador não costuma frequentas algumas outras, é como se houvesse um abismo intransponível dentro da cidade. Apesar de gostar de meus amigos de classe, havia algo — e ainda há — que dificultava minha integração. Quero dizer, não me sentia inteiramente a vontade, embora fossem todos amigáveis e receptivos. De qualquer modo, a festa estava divertida e eu, como alguém que tinha estudado toda a minha vida no ensino particular, não deixava de notar as diferenças de tipos e de comportamento. Há algo que se conserva quase infantil mesmo nos anos mais avançados nas escolas particulares. Ali, entre meus amigos da escola pública, a relação era notoriamente diferente, pois havia uma espécie de comunhão e compreensão de outra ordem. Pouco antes do final da festa, Remés propôs uma atividade, dessas que me desconcertam ainda hoje. Nós sortearíamos nossos nomes e deveríamos escrever uma mensagem para a pessoa cujo nome nos fosse destinado. Não lembro o que escrevi, nem para quem, ainda hoje me falta o tipo de sensibilidade necessária para escrever algo a um só tempo genuíno e genérico. No entanto, quando chegou a hora de receber o bilhete de quem havia sorteado meu nome, fui surpreendido. Regina tirou meu nome e me entregou uma mensagem curta num papel esverdeado. Eu não conhecia Regina mais do que de vista, ela era uma dessas pessoas com as quais convivemos mas com quem nunca trocamos mais que uma palavra ou um olhar familiar. Na mensagem Regina lamentava carinhosamente o fato de não havermos nos conhecido, dizendo que eu parecia uma pessoa interessante e me desejava felicidade e outros votos. Bem, dito assim sobriamente a mensagem parece menos afetuosa do que era, mas a verdade é que eu estava preparado pra tudo, menos pr’aquilo. Nós só estamos preparados para os perigos que conhecemos, os riscos e experiências inéditas nos pegam desprevenidos. A mensagem de Regina desmontou minhas barreiras de proteção, me desarmou, e eu senti meus olhos marejarem. É bem verdade que a hostilidade masculina era mais uma estratégia de sobrevivência que uma característica genuína. De todo modo, aquela expressão autêntica de carinho, vinda de alguém com quem eu mal tinha trocado uma palavra, me pegou desprevenido, porque eu simplesmente não esperava. O que nós esperamos dos outros?

As lições que aprendemos quando somos jovens e devemos imitar o comportamento das pessoas mais velhas ou dos modelos que convém repetir moldam aquilo que esperamos dos outros. As experiências e visões de mundo das figuras imitadas involuntariamente dão forma a nossa própria visão das outras pessoas e das coisas que devemos esperadas delas. Se não desenvolvemos alguma autonomia, isto é, a capacidade de julgar e refletir segundo nossas próprias experiências tendemos a não conseguir enxergar mais do que aquilo que fomos treinados a ver. Pouco a pouco a máscara forjada para lidar com o mundo se confunde com nosso próprio ser, de sorte já não podemos distinguir quem nós somos daquilo que nos tornamos, daquilo que é feito de nós. Quando Regina me ensinou essa lição sobre carinho e consideração, outras lições ficaram claras para mim. Aprendi também, retrospectivamente, o que me havia ensinado aqueles dois últimos anos no Colégio Ypiranga. Não esperava mais que desapontamento e, secretamente, me envergonhava ter que passar meus dois últimos anos do ensino secundário numa escola pública. No Brasil a gente aprende desde cedo a ter vergonha de ser pobre, de ter dificuldades financeiras, (como se fossemos culpados por isso) e eu não era diferente de ninguém, especialmente tendo disfrutado a duras penas das vantagens do ensino particular. Mas a verdade é que eu havia me sentido bem nesses dois anos, ou melhor, havia me sentido menos desajustado, pois as dificuldades que todos ali enfrentavam eram semelhantes às minhas. E, apesar disso, não havia amargura nem animosidade entre nós, ao contrário, o carinho e a abertura que Regina havia registrado no bilhete eram a regra. Naqueles dois anos aprendi que as nossas dificuldades comuns determinavam também um modo diferente de enxergar a vida, digo, diferente daquele modo que ia se sedimentando enquanto eu havia estudado em colégios particulares. Às vezes me parece que é quase natural, se estamos em determinado contexto ou situação, enxergar o mundo exclusivamente segundo os parâmetros que ali circulam. Mesmo que nunca tenha sido rico e nem mesmo classe média em sentido estrito (sempre estive ali no espectro da classe media baixa, cuja tradução ampla e literal deve ser pobre), inevitavelmente desejava e via o mundo segundo os parâmetros de meus amigos do colégio particular. Quando comecei estudar no colégio público e logo depois a trabalhar, senti então que aqueles não eram os únicos modos de ser e os únicos parâmetros do que querer. Vi o que havia de estreito naquele mundo de classe média do qual fiz parte até ir ao Ypiranga. O que não significa, é preciso sublinhar, que essa circunstância determinasse que as pessoas ali fossem estreitas —  de forma alguma. Tive bons amigos e aprendi também valiosas lições enquanto estivesse em colégio particulares, mas é que a circunstância favorecia um encastelamento que não havia no Ypiranga. Ali nós conhecíamos por familiaridade toda a crueza da vida, não havia postergações nem adornos, de maneira que entre nós havia algo que poderíamos chamar de solidariedade, ou algo do gênero — naturalmente não havia porque existir algo assim num colégio particular, onde os desafios e problemas eram outros.

As coisas foram se assentando em minha cabeça pouco a pouco, um entendimento ainda precariamente articulado de tudo isso e, no último dia, aquele em eu teria que voltar ao colégio para saber o resultado final, voltei com uma tristeza transbordante. Já não havia ninguém no colégio, as pessoas passavam a consultar o resultado no horário que lhes convinha, de sorte que não havia encontros. Peguei meu resultado e voltei pra estação da Lapa choroso, envergonhado pelos olhos vermelhos, evitando qualquer olhar. Apesar desse luto, da tendência juvenil à melancolia, ao menos estava feliz, agora posso dizer, por ter passado aqueles dois anos no Ypiranga e ter sido capaz de aprender as lições que estavam ali para serem aprendidas. Amigos e professores me ensinaram coisas que são parte de mim, que determinaram parte do que sou, e apesar da tendência a me envergonhar sempre que é preciso falar de algo como carinho, ternura ou respeito — pelo que parece haver de bobo ou ingênuo em tudo isso —, essa tendência é hoje deliberadamente combatida pelo meu esforço de transpor barreiras fixadas pelo mero hábito e para enfatizar o quanto aquilo que esperamos do Outro é determinado por certas circunstâncias, pela força do mero condicionamento ou pela influência daqueles que nós imitamos (consciente ou inconscientemente). Numa sociedade perigosamente atomizada, na qual o culto ao ego é um lugar comum, a ternura pode ser um componente importante para determinar uma atitude diferente diante de pessoas que não fazem parte do nosso mundo. E talvez seja esse um dos catalisadores de uma transformação que necessitamos.

PS. Lembrei desse episódio depois de ler uma entrevista de Vitor Heringer (escritor morto recentemente e que eu não conhecia) na qual ele se declarava corajosamente a favor da ternura e do afeto. Não tenha dúvida de que é preciso coragem para assumir posições como essa.

Viagens de ônibus e banhos de mar

É lugar-comum dizer que os europeus experimentam o clima e a natureza de uma maneira muito particular. E é natural que seja assim. Quando o sol sai, eles se esticam em qualquer lugar por onde se estendam seus raios e é verdadeiramente uma benção. Pensando nisso, esses dias lembrei o quanto nós mesmos às vezes não damos conta da nossa relação com o mundo natural. (Pra não deixar de falar de Wittgenstein, como convém, não posso esquecer quantas vezes ele afirmou que o é mais importante em geral escapa à nossa percepção justamente porque está diante dos nossos olhos o tempo inteiro). Há muito tempo eu fiz cursinho pré-vestibular num curso no Relógio de São Pedro. E à noite. As aulas terminavam mais de 22h e eu tinha que ir à estação da Lapa pra voltar pra casa. Não raras vezes o ônibus demorava mais de uma hora pra chegar. Não havia smartphones, apenas as baratas e ratos da estação da Lapa e eventualmente algum providencial livro emprestado na biblioteca. De resto, sobravam somente o tédio e a monotonia com as quais qualquer passageiro de ônibus de Salvador estava acostumado. Mas não era só isso. A verdade é que apesar dessa espera rotineira, cansativa e da qual naturalmente eu me queixava, havia algo mais. Algo que, depois de tanto tempo, eu posso dizer: foi o que ficou. Vir da Lapa até a Boca do Rio, de noite, numa Salvador anterior à lamentável explosão de crescimento dos carros (pré-2007) era uma experiência diária de prazer e deslumbramento. O ônibus descia a Avenida Centenário e a partir do Shopping Barra vinha todo o percurso pela orla. Não havia engarrafamentos, nem muitos passageiros. Não apenas porque eram bons e saudosos tempos, mas também pelo horário. Às vezes circulávamos pra lá das 23h. Eu elegia o melhor assento — na janela, claro — e passava a viagem inteira sendo bombardeado pela brisa da orla acelerada pelo movimento do ônibus. Eu lhes digo isso como alguém que sabe, hoje, mais do que nunca, o prazer que pode ser fruir de uma simples nesga de sol. E eram assim todos os dias. O aburrimiento (como dizem os espanhóis: me veio na cabeça assim e eu deixo assim) das aulas, o cansaço da espera e do dia eram simplesmente apagados por aquele cheiro do mar que invadia meu peito com a violência do vento que corria forte, porque o motorista andava rápido pelas ruas vazias. O vento não era frio, tampouco era quente. Nenhuma das duas palavras encaixa. Ele era apenas agradável, reconfortante e tranquilizador. Sabe-se lá quantos pensamentos loucos passaram na minha cabeça nesse trajeto. Quantos planos, quantas ideias e aspirações. O caso é que ali, sentado na janela do ônibus que vinha até a Boca do Rio eu me perdia em pensamentos embalado deliciosamente por aquela temperatura agradável e por aquele vento quase familiar.

Pensando nisso eu lembrei também de algo similar. Da nossa (ou da minha, se for o caso) relação com o mar. Bem, a universalidade das nossas pretensões (políticas, sociais, racionais) muito frequentemente apaga a constelação de diferenças que existem mesmo entre pessoas imensamente afins. Digo isso porque a nossa relação com a natureza marca um universo inteiro de experiências e relações que muita gente em outras partes do mundo não conhece ou não entende. Eu mesmo, durante bons anos (vá lá, talvez meses, a essa altura nada é preciso na minha memória), tive o costume de ir andar ou correr na praia. Ora pela manhã ou início da tarde, ora pela noite. E lembro que, às vezes, quando o dia estava muito quente, andar, correr ou se exercitar na praia e em seguida tomar um banho no mar era uma experiência ressignificadora. Eu lhes digo: eu me sentia outra pessoa, com outra disposição. É claro que o sol é a fonte principal de vitamina D — e a ausência dela no organismo pode causar indisposição até psicológica, mas não se trata de encontrar explicações. O fato é que aquele banho que cortava um calor forte, mas perfeitamente suportável quando se gozava do privilégio de estar perto do mar e poder frequentá-lo me tornava outra pessoa. Do mesmo modo eu me sentia quando, anos depois, morando já no Garcia, nós íamos ao final da tarde tomar banho na água quente no Porto da Barra. A água quente, o sol se pondo — eu até escrevi sobre o melhor evento que eu já presenciei em Salvador, lá no Porto, o Espicha Verão — são elementos e testemunhas de que a natureza, para quem não se fecha nos artifícios do concreto, tem papel formativo na cabeça das pessoas. Ainda que só hoje eu possa dizer, reconhecer e expressar a dimensão dessas experiências em minha vida, dar-lhes o tamanho devido, já então elas tinham intuitivamente toda a importância que agora eu comunico. As viagens de ônibus e os banhos de mar me ensinaram mais do que a maioria dos livros que eu tive que ler. É incrível a quantidade de coisas que a gente pode aprender longe das fontes oficiais de aprendizado, quando estamos prestando atenção.

PS. Escrevi pelo menos mais dois outros posts sobre viagens de ônibus. Um perfeitamente legível e até recomendável, e outro que pode ser lido depois de um esforço para superar os primeiros parágrafos, mas que talvez tenha suas compensações.

Salvador, Lisboa e o PDDU

Salvador é muito parecida com Lisboa, inclusive topograficamente. Lisboa é uma cidade cheia de ladeiras, mas que ainda mantém bondinhos circulando, além de ter acrescentado ao sistema de transporte veículos mais modernos, VLT, como em Berlim e Barcelona. Em Salvador nós já tivemos bondinhos, mas eles foram asfaltados no final dos anos 60 pelo ímpeto modernizante do então prefeito designado pela ditadura, ACM (ele mesmo, o avô). No centro ainda é possível ver os fósseis dos trilhos, salvo engano, na Carlos Gomes e na Avenida Sete, perto da Praça Castro Alves. Sem bondes, Salvador agora é moderna. Na certa porque Lisboa é que é retrógrada. Um dia quando olharmos pra trás e contemplarmos a bela obra que o prefeito ACM (o Neto) deixou para os soteropolitanos — e o aplauso caloroso com que muita gente recebeu os paralelepípedos que ele pintou — vamos ter a mesma impressão de que fomos enganados. Neto e a equipe de paulistas que elaborou o projeto do PDDU (isso mesmo, o prefeito chamou uma equipe de São Paulo para elaborar o projeto, provavelmente porque não tem gente competente na Bahia pra fazer isso, certo?) parecem mesmo preocupados é em fazer crescer imensas paredes de concreto na cidade. Quando os paredões estiverem impedindo a visão dos pontos centrais da Cidade Baixa vocês me contam o que acharam dessa (como é mesmo a palavra?)… gestão.

Os dois mandatos de João Henrique foram simplesmente trágicos. Mas o maior dano que eles causaram à cidade, por incrível que pareça, foi ter incapacitado a maioria das pessoas de enxergar o que há de nocivo, conivente ou simplesmente paliativo nas ações do prefeito ACM Neto. Frente a tamanha incompetência e descalabro, até ACM Neto parece uma Ada Colau ou uma Manuela Carmena. Não que exista uma alternativa política em Salvador ao compromisso dogmático e irrefletido com a verticalização da cidade e ao descaso com o papel social do uso do solo. O PT no governo teria feito o mesmo, pois o objetivo dessas políticas, no fundo, não é o de expandir direitos, promover a cidadania dos moradores da cidade, tornar suas vidas mais confortáveis e incluí-los na dinâmica de crescimento da cidade. O objetivo dessas políticas parece o mesmo de sempre: favorecer empresários da construção civis e de outros setores — empresários que coincidentemente doaram (investiram?) grandes quantias para campanhas eleitorais de todos os partidos — enquanto as migalhas que caem da mesa onde é servido o banquete são alardeadas como enormes benefícios feitos em nome do povo. Não é em nome do povo e da modernização da cidade que o Mercado do Peixe foi posto abaixo?

Procurem nas fotos do centro de Lisboa prédio novos. Encontraram? Agora procure prédios novos que tenham mais de cinco andares. Encontraram? Se não encontrou é porque é difícil mesmo, são poucos e quase inexistentes. Há muitos telhados e construções antigas. Os prédios novos não estão no centro, porque o centro foi preservado. E a administração pública soube ordenar o espaço público de maneira a controlar as áreas de crescimento e determinar os espaços nos quais o garabarito de construção poderia exceder o limite do centro. A verticalização controlada é um indicador de planejamento e estratégia de crescimento. É um aspecto que, nas cidades planejadas, está consorciado também ao planejamento do transporte público, de sorte que as cidades diminuem a dependência do uso de carros e desafoguem o trânsito induzido pelo adensamento (quanto mais prédios e espaço comercial e/ou residencial, mais carros e mais trânsito). Mesmo a Parelela, uma região de Salvador que atabalhoadamente se transformou num foco de verticalização já não pode cumprir o papel estratégico de ser um canal de escoamento do potencial urbano, porque ela já está saturada. Mais prédios ali significará ainda maiores congestionamentos. O poder público precisa ser responsável, definir e criar condições para que novas áreas cumpram essa função. Além de organizar um sistema de transporte público de modo a substituir a inviável aposta num sistema privado de locomoção (carros, essa paixão nacional). Mas isso não pode acontecer enquanto a função da administração pública for simplesmente designar à iniciativa privada o papel de indutor e gerente do crescimento da cidade (a panaceia liberal: o mercado e a mão invisível resolvem tudo, resta saber onde esse conto de fadas é realidade). Como bem lembrava FHC (vejam só) numa entrevista à Piauí, o mercado sabe criar lucro, não valores. E a cidade precisa de valores. Salvador é uma forma de vida (com reflexos antropológicos, arquitetônicos, geográficos, culturais, musicais, etc.) que precisa ser preservada.

A sanha assassina da polícia baiana: a culpa é nossa!

Quando Eric Garner morreu assassinado por um policial que manteve o estrangulamento mesmo depois de ele ter dito: “eu não consigo respirar”, houve protestos nos EUA. Depois da decisão judicial de não indiciar o policial que o matou, a coisa ficou feia e os protestos ganharam uma dimensão extraordinária, mobilizando todo o país. Na Bahia, por outro lado, o assassinato de pessoas pela polícia é algo comum, banal, ordinário. Mesmo que o assassinato não seja resultado de uma ação mal executada e irresponsável, mas de tiros (mais de um) deliberadamente disparados após espancamentos (tortura). É provável que a morte de Alexsandro Lima, ao invés de ser motivo de protestos que se estenderão por todo país, se transforme apenas em mais uma estatística. Inútil, como toda estatística produzida na Bahia — já que falta vontade (e competência?) para enfrentar o (real) problema que elas refletem.

E as coisas permanecerão assim por uma razão simples: a despeito da comoção breve, quase instantânea, que a morte gera — se é que gera alguma comoção real, para além da nossa indignação burocrática de cada dia — ninguém quer abrir mão da não-sensação de segurança e da promessa de paz que oferece a polícia baiana. Digo não-sensação de segurança porque ninguém em sã consciência dirá que a polícia gera qualquer sensação de segurança, a não ser que você seja rico, preferencialmente “branco”, e esteja em alguma boa região da cidade. Se for pobre, preto e jovem, a presença da polícia só gera tensão. No entanto, o mais importante é a crença cega (burra?) na promessa de paz que, de alguma maneira, parece associada à polícia. Se a humildade cristã fartamente arrotada em todo país encontrasse algum abrigo, por menor que seja, na cabeça de intransigentes defensores das ações assassinas da polícia, eles se fariam algumas perguntas: (1) a violência da polícia acabará com a violência da criminalidade? (2) a violência da polícia, em algum lugar do mundo, ajudou a reduzir índices de criminalidade? (3) a violência e o assassinato sistemáticos ajudaram algum país no “combate às drogas”?

A pedância dos defensores da polícia se ampara, eu suponho, na ideia de que a polícia vai matar todos os bandidos e, assim, nos tornaremos uma sociedade pacífica e ordeira. É triste ver que mesmo as classes mais baixas da nossa sociedade compartilham a ideia do presidente Washington Luis de que “a questão social no Brasil é caso de polícia”. Não tem nada a ver com a imensa de desigualdade que ainda sustentamos garbosamente, com a falência do nosso sistema de educação, tem a ver, isso sim, com o fato de que ainda não matamos certos indivíduos, para, pedagogicamente, torná-los exemplos, a fim de inibir a ações de outros bandidos. Como, aliás, aconteceu em todo mundo. Os países que ostentam taxas razoáveis de criminalidade e violência são aquelas que conseguiram matar e punir exemplarmente seus criminosos — pensa o sujeito que defende a polícia.

O que acontece é que esse sujeito, esse mesmo sujeito que defende a polícia incondicionalmente, é quase sempre um negro ou um mestiço, como grande parte de nós brasileiros. E está igualmente sujeito às mesmas arbitrariedades. Mas nada, absolutamente nada, fará com que ele, diante de um crime brutal como o assassinato de Alexsandro Lima, se sensibilize a ponto de desfazer sua adesão incondicional aos métodos policiais. Ao bom e velho “bandido bom é bandido morto”. E por essa razão (uma delas, claro) o movimento negro, com a melhor das intenções, pretende implementar o racialismo americano no Brasil, a fim de fazer a adesão à questão negra sobrepor-se a essas adesões fragmentadoras que, no final das contas, não oferecem qualquer possibilidade de mobilização, ao contrário, desagregam.  (Pretensão, aliás, da qual discordo.)

Nossa sensibilidade, nossa empatia, e qualquer remota chance de identificação, estão inteiramente paralisadas pelo medo. (A violência é desagregadora por isso, eu disse faz algum tempo.) E quando o medo cala a empatia, o resultado só pode ser o silêncio diante de todos os absurdos que tem acontecido em Salvador. Silêncio, aliás, espesso, quase palpável, que se sente na imprensa nacional diante da chacina recentemente promovida pela polícia baiana. Silêncio só rompido pelas declarações pavorosas e lamentáveis do governador da Bahia.

Aqueles que endossam cegamente as ações policiais deveriam se perguntar, humildemente, se é este o caminho para a paz, se é assim que chegaremos a uma situação melhor. Pois toda essa violência gratuita, inútil, e, sobretudo, ineficiente, se manteve e se mantém porque nós somos coniventes, omissos e cúmplices. Porque nós internalizamos como verdade irrevogável a ideia de que punir (com a morte, na maioria das vezes) não é apenas a resposta emocional imediata ao crime, mas a solução lógica, e mesmo racional, à criminalidade e à violência. A polícia baiana (e brasileira) é assassina porque nós acreditamos que assim nós conseguiremos vencer a violência e a criminalidade.

PS. Se já nos falta empatia, então, uma vez mais, apelo ao amor próprio: ontem foi o filho de Carla Lima, amanhã pode ser seu filho.

E quem disse que não há motivos para amar Salvador?

Li hoje um artigo interessante sobre Salvador, que, no entanto, tem um defeito imperdoável. Ele se estrutura a partir de dois pressupostos equivocados: o primeiro, o de que não haveria motivos para amar Salvador, o segundo, o de que “falar mal” da cidade pareceria equivaler a não amá-la. Se você precisa enumerar as razões para amar a cidade, é como se faltasse ao seu interlocutor tais razões, ou como se ele não as tivesse em número suficiente. Sugerir que deixemos de falar mal da cidade porque há razões para amá-la é não ter entendido o papel da crítica e, sobre esse aspecto, acho que não preciso me desenvolver.

As duas ideias são simplificações da crítica à cidade que seriam perfeitamente aceitáveis, se não fossem algo nocivas. Ou seja, está claro que a intenção do texto e do blog (365 motivos para amar Salvador) é das melhores, mas seu propósito não contribui para o sanar os problemas reais que a cidade enfrenta (que nada tem a ver com questões idiossincráticas de fulano ou cicrano) — ao contrário, se as razões para amá-la deveriam deter as críticas, isso equivaleria a uma aceitação incondicional de qualquer que seja o destino da cidade.

É claro que você pode — e quase sempre nós fazemos isso — expressar o descontentamento sob uma perspectiva pessoal: o quanto nos incomoda e afeta os engarrafamentos, a sujeira, a violência, etc. Mas a cidade não é apenas aquilo que ela tem para nos oferecer e esse perspectivismo às vezes inevitável não pode impedir que enxerguemos que o problema de Salvador é político. Se importam esse fatores que estão de maneira geral subordinados a um ponto de vista pessoal, é porque eles nos permitem entrever os rumos, o futuro da cidade que amamos.

O que há de se lamentar no transbordamento de carros e nos engarrafamentos constantes que a cidade tem experimentado nos últimos anos não é a maneira como isso nos afeta, mas o que se pode adivinhar por trás disso, as transformações nas formas de vidas tradicionais, o que isso implica para a manutenção ou desaparecimento de certas coisas que nós amamos: o patrimônio que consiste num modo muito singular de viver o tempo, o corpo, o trabalho, a cidade.

Explorando esses aspectos ilustrativos diríamos que a saturação de carros, como sintoma de algo mais profundo, fere de morte a relação do morador com a cidade (em muitos pontos). A importação do ritmo acelerado das “grandes metrópoles” mata os ritos e o ritmo que sempre caracterizaram as pessoas e as relações entre elas (ainda mais quando somamos a isso a “vergonha” e a recusa da mitológica “preguiça” baiana, que devia, ao contrário, ser brandida como trunfo civilizatório). Ora, se não estivermos atentos a esses perigos, se não fizermos dos protestos e das críticas constantes uma arma, corremos o risco de ver desaparecer justamente as razões para amarmos a cidade, e aqui cito uma parte do texto com a qual concordo:

Descobri lugares, cantinhos, buracos. Subi e desci ladeira, morro, escadaria. Conheci janelas com vistas incríveis e me joguei no mar. Mas não existe dúvida: o melhor de tudo foram as pessoas que encontrei pelo caminho.

É esse patrimônio que está ameaçado pelo abandono da cidade baixa, pela internalização da relação do soteropolitano como simples passante pelo espaço público — e não de ocupante (embora as periferias sempre resistam a essa tendência) —, e esse perigo está bem representado no crescimento exponencial dos shopping, no esvaziamento das praias e opções de lazer, nessas coisas que tornam o cidadão um espécie de viajante que salta entre espaços privados (de casa pro shopping; de casa pro trabalho; de casa pro camarote) sem nunca ocupá-la demoradamente. (O carnaval não é a perfeita representação de tudo isso que tem acontecido em Salvador? Dessa transformação cada vez mais acentuada da festa numa mera associação de espaços particulares, entre os quais os “excluídos” festejam).  Tudo isso ameaça tornar Salvador uma cidade como outra qualquer, padronizada, homogeneizada pela importação de aspectos necessários à dinâmica econômica (inevitável?) da cidade, por fim, ameaça aquilo que singulariza seus moradores, sua mitologia tão bem retratada na música e na literatura.

Bem, sobre essa maneira de se relacionar com a crítica, tenho um texto que talvez convenha, embora não esteja dirigido particularmente a mesma questão, chama-se Amizades mancas. A crítica só é um problema quando ela é nada mais que um sintoma de uma relação unívoca, da falta do entendimento político das questões da cidade. No mais dos casos, a crítica é imprescindível e, longe de ser indicativo do desconforto que precisa ser superado reconhecendo que temos boas razões para amar a cidade, ela é a prova mesma do compromisso e do amor.

Por fim, é preciso reiterar que amar Salvador e criticá-la não são duas ações contrárias e excludentes. E para terminar esse arrazoado de forma mais amena, eu invoco Geronimo Santana, cantante que tão bem representa essa cidade simbólica soterrada sob a poeira das modernidades que perigam relegá-la ao museu, ou a qualquer outro canto em que ela seja, não vivida, mas apenas recordada.

PS. O texto termina ensaiando um afastamento do que antes era o próprio ânimo do texto: “Com o tempo, entendi que não precisava de argumentos para convencer ninguém, eu já estava rendida. Aprendi que, para amar essa cidade, é preciso passar por cima de algumas coisas, deixar de ser exigente e entender que ela tem ritmo próprio”. Um pouco afinado com o que eu escrevi quando sentenciei que Salvador não tem nada pra fazer. Ponto!

PPS. E como provocação eu poderia dizer ainda que há amor sem razões, e que talvez essa seja nossa forma preferencial de amor 🙂