Deturpar para defender

D

Ontem o Jornal da Band destacou honestamente sua opinião numa seção editorial. Um gesto louvável, num país onde a confusão entre informação e opinião serve aos propósitos de grupos privilegiados. À parte isso, o conteúdo do editorial é vergonhoso (vídeo abaixo).

Para o Jornal da Band a campanha do Ministério Público Federal contra o consumo de carne produzida em fazendas ilegais é uma “criminalização” da pecuária brasileira e veicula sua mensagem em tom alarmista. Não é de hoje que o Jornal da Band manifesta seus estreitos laços com o setor agropecuário. Em outras ocasiões eu acompanhei a grita de figuras do naipe da senadora Katia Abreu contra o aumento nos índices de produtividade rural ou a favor da diminuição das áreas de proteção ambiental.

Para o jornal, as fontes de informações que alimentam as preocupações do Ministério Público são duvidosas e as “peças publicitárias se destinam a confundir e não a esclarecer”. Os objetivos da campanha, segundo o texto editorial, não são claros. Isso só pode ser mais um ato de má-fé e pouca consideração pela inteligência alheia — como no post anterior. Um movimento que tem como pano de fundo a completa ausência de notícias relativas aos abusos que grassam sem reservas nas zonas rurais, abusos que vão desde a grilagem de terras até o trabalho escravo. A mesma imprensa que se horroriza com as prescrições de um Plano Nacional de Direitos Humanos que traz, ao longo de suas três edições, uma estrutura basicamente intocada — faz pouco caso e nem se dá ao trabalho de noticiar o inferno diário de trabalhadores que tem violados muito mais que seus direitos trabalhistas, também seus direitos humanos e sua dignidade.

Aliás, a mesma imprensa fervorosamente preocupada com direitos em paises como Irã, Venezuela e Cuba. Trata-se de uma preocupação seletiva: a chave para entender o ânimo das manchetes da grande imprensa.

Só mesmo quem ignora a dura realidade da zona rural brasileira e dos seus trabalhadores, ou a falta de dispositivos eficazes para combater as práticas ilegais que minam nossas reservas naturais, pode desconhecer o objetivo da ação do Ministério Público. E assim, cientes de terem omitido o que convém aos seus interesses, e dá preguiça política contagiante — sintomaticamente expressa na defesa feroz que alguns fazem do projeto Ficha Limpa — que impede a busca por outras fontes de informação, eles se sentem confortáveis para externar uma opinião que vai de encontro à realidade mais óbvia do nossos país.

Eu pensei em linkar posts do Blog de Leonardo Sakamoto para ilustrar as referências ao trabalho escravo, mas elas são muitas. Busque “trabalho escravo“na caixa de pesquisa do blog e vocês verão uma realidade inteiramente nova, de um país que não aparece nos noticiários noturnos. Descobrirão também porque ela não aparece: quem são as figuras por trás desses interesses. Ali um vasto material documenta os nocivos efeitos do uso irresponsável dos recursos naturais, por parte das fazendas ilegais. Aliás, já é difícil fiscalizar e estancar os danos causados por fazendas regulares e a força da sua representação no Congresso, o que se pode dizer então daquelas que produzem carne à margem da lei. Sem falar das preocupações sanitárias.

O lobby do setor agropecuário se não é o mais forte, é certamente o mais barulhento e visivelmente danoso. Eleição após eleição, as mesmas figuras seguem defendendo os interesses cegos de poucos, ao arrepio das mais elementares preocupações ambientais e humanistas. Katia Abreu, recentemente, foi cotada para a vice presidência na chapa de Serra. Recusou (se isso não é sintoma de fracasso, não sei mais o que é). Ou seja, apesar das práticas que eles abrigam e defendem, a voz dessas pessoas continua sendo ouvida e suas presenças são desejadas em “importantes” círculos da vida nacional. Se não bastassem todos os outros critérios para determinar a necessidade de uma mudança radical no comportamento na imprensa brasileira, esse já seria mais que suficiente.

Abaixo dois textos recentes do Leonardo Sakamato que iluminam questões correlatas a todo esse imbróglio envolvendo a carne produzida em fazendas ilegais, para que vocês entendam que a força que representa esses setores transcende a defesa intransigente de seus interesses em veículos de comunicação, antes de mais nada, ela passa por uma bem estruturada coordenação política que atropela tudo que não se ajusta a sua conveniência. (Eles não precisam que o Jornal da Band saia em defesa dos seus interesses, a julgar pelos absurdos que eles nos fazem engolir em Brasília). Além disso, as duas peças da campanha do Ministério Público:

Novo Código Florestal é uma bofetada no país
Qual a relação entre a alta do PIB e o Código Florestal?

2 comentários

outras redes

Perfis em outras redes

Preferidos

A categoria Preferidos é especial, porque reúne os textos que eu mais gosto. É uma boa amostra! As outras categorias são mais especializadas e diversas.

Categorias

Arquivos