Informação e opinião

I

Nos comentários de um post de Raphael sobre o PNDH, Joaquim, um dos comentarista, fez a seguinte afirmação:

Não acredito em informação pura. Sempre há opinião nas informações.

Isso me lembrou a importância da distinção entre as duas coisas. Mas o que significa afirmar que “sempre há opinião nas informações”? Significa que as informações são tão perspectivas como as opiniões. Por isso a declaração anterior: “não acredito em informações puras”. O que é opinião e o que é informação não pode ser discernido pela chave do perspectivismo, pois ambas são igualmente perspectivas — isto é, não há algo como uma ausência de perspectiva ou uma perspectiva absoluta (pura, pra usar o termo empregado). É como se o conceito de informação que ele contesta correspondesse a um suposto acesso direto, não perspectivo, não mediado, às coisas. Enquanto a opinião, em sentido contrário, seria a característica manifestação de uma perspectiva, da posição histórica, geográfica, moral e etc. de um sujeito.

É um equívoco de muitas consequências, mas de extrema importância ilustrativa. Parece realmente que não faz sentido falar em impressões absolutas, que todas as nossas informações sobre as coisas são marcadas por uma posição particular, regional e singular, que não podem ser impunemente absolutizadas. Se esse “perspectivismo” é inseparável de tudo que a gente pode manifestar sobre o mundo — de sorte que não podemos negá-lo — então também não faz sentido afirmá-lo. A informação que ele traz não é um conhecimento ou uma revelação sobre a nossa própria natureza. O conhecimento admite o erro e a negação. Onde a negação não faz sentido, não há conhecimento. Portanto, a observação sobre o perspectivismo inerente a todas as nossas manifestações sobre o mundo não pode ser nada além do que um comentário sobre a lógica dos nossos conceitos.

Se estamos inevitavelmente instalados em solo perspectivo, a diferença entre informação e opinião não pode se definir por aquilo que é ou não perspectivo — pois em sentido lato, como já vimos, nada pode não ser perspectivo. Mas eu disse que não faz sentido afirmar o perspectivismo. Exato! Só faria sentido afirmar o perspectivismo, se nós pudéssemos falar de um “absolutismo”. Que significado tem falar sobre alguém que está em todos os pontos do mundo, que tem todas as posições históricas, que domina todas as perspectivas morais e etc? Se o par oposto ao perspectivismo não tem sentido, ele também perde o seu — do mesmo modo como, se não houvesse luz, os conceitos de claro e escuro perderiam o sentido.


Suponhamos que diante de um cenário eu afirme: “Uma mulher foi assassinada” — enquanto outro declara: “Uma mulher foi violentamente assassinada a golpes de machado por um psicopata”. Poderíamos classificar as declarações respectivamente como informação e opinião. Contudo, alguém poderia dizer: “mas você também está supondo um assassinato! talvez a mulher tenha caído de algum lugar não evidente e se machucado durante a queda”. Mas o que distingue a informação da opinião não é o fato de que ela não pode ser falsa, mas que em condições normais as circunstâncias não favoreçam o falseamento, que em condições normais aquilo que foi trazido a título de informação não adicione ao cenário nada que possa ser considerado acessório ou não pertencente a ele. Supor que é impossível atingir um ponto no qual as pessoas estão de acordo sobre o que pode ser um relato fiel, é imaginar que a dúvida pode regredir infinitamente e que não é legítimo, em momento algum, fazer suposições. Como se, ao flagrar um “pressuposto”, nós estívessemos diante de uma escolha — que faria reintroduzir um perspectivismo insuperável — porque seria uma escolha particular, e alguém poderia fazer uma outra escolha, diferente, e assim estaríamos novamente no ponto em que o perspectivismo contamina a informação com a opinião. Mas vamos voltar ao cenário hipotético e imaginar que ao ver o corpo todos concordassem com a minha informação — mesmo os policiais. Os cortes pareciam indicar um assassinato, por todas as circunstâncias. Então um detetive experiente examina as variáveis e determina que lesões provocadas pelo choque do corpo contra objetos na rota de sua queda causaram a morte. Isso transforma a minha informação, errada, numa opinião? Alguém diria por isso que ela deixou de ser uma informação, ainda que errada? Ela se igualou à segunda declaração, àquela que menciona o “psicopata”? Bem, se alguém disser isso, eu posso retorquir alegando que o detetive pressupôs que a mulher não tinha uma doença mortífera que lesiona os tecidos musculares. Ou que supôs a continuidade da ação gravitacional. Em certos momentos as suposições não são meras escolhas particulares, manifestações de perspectivas singulares, mas a expressão de um modo comum de pensar. E é porque temos esse modo comum de pensar que nós podemos falar em informação, ainda que a possibilidade de erro não possa ser afastada.

A opinião, ao contrário, envolve escolhas que podem ser aceitas como verdadeiras, mas que mobilizam muito mais do que o que está apresentado como “fato”, mais do que aquilo que em condições normais nós estamos dispostos a aceitar como fato — e que esse conjunto de coisas não seja sempre nítido não é uma crítica aos limites entre a informação e a opinião. As opiniões em geral elas tratam do que está além da mera “aparência” do que se analisa: elas invocam causas, intenções. A diferença entre opinião e informação pode ser sutil, mas isso não indica que elas compartilham mesmas características ou que podem ser niveladas porque têm em comum um dado perspectivismo.


No caso que discutíamos nos comentários, sobre a postura de William Waack a respeito do PNDH, isso se faz claro. Aquilo que não pode vir a ser um a lei, não pode substituir uma Constituição. Ainda que as diretivas do PNDH possam servir de parâmetro para projetos de lei, ele mesmo não é um. Sugerir que o Programa é uma nova Constituição é mascarar essa diferença categorial elementar. Fazendo isso ele omite informações essenciais e mobiliza retoricamente uma imagem forte, cujo objetivo é pintar em tons ditadoriais as ações do governo (mesmo que fosse um projeto de lei, ainda sim não teria o teor ditatorial pressuposto, pois um PL está sujeito à democrática deliberação do Congresso). É uma opinião sobre as intenções do governo, não uma informação sobre o Programa. Ao apresentar como fato a afirmação de que o “O PNDH é uma nova Constituição” ele expõe sua má fé e o interesse que anima seu comportamento. E é esse interesse afirmado a qualquer custo que atrofia o debate democrático. Parcialidade é necessária, mas não uma que se vista com as roupas da imparcialidade. No fundo a recusa em aceitar as denominadas “informações puras” e a tentativa de confundir opinião e informação, mostrando-as como igualmente perspectivas e entrelaçadas, é a tentativa de eximir de críticas aqueles que desonestamente enfeitam suas opiniões pessoais e interesses com as roupas do discurso neutro, imparcial e objetivo. O problema não é a parcialidade da imprensa, mas os expedientes pelos quais ela vende seus interesses e propósitos como expressões incontestes do interesse público.

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