Eu nunca li o livro A última tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis, mas vi o filme de Martin Scorsese e gosto muito dele. O Jesus de Scorsese é quase tão bonito quanto o Jesus de Fernando Pessoa, o meu Jesus preferido.
Numa das cenas do filme, falando com Jeroboão (?), Jesus lhe diz:
— Lúcifer está dentro de mim! Ele me diz: “Você não é o filho do rei Davi, você não é um homem. Você é o filho do homem. E mais, o filho de Deus, e mais do que isso… Deus!”
Eu não consigo conceber um modo mais brilhante de falar de vaidade, não consigo conceber nada tão impactante. Não que isso signifique muito. Willem Dafoe, no entanto, faz você ver e sentir como atua, como age um homem que resiste com todas as suas forças contra a tentação da vaidade e do orgulho, que luta para não acreditar em Lúcifer. E é desconcertante que as coisas sejam apresentadas assim, que a condição para que Jesus aceite sua divindade seja acreditar em Lúcifer. E Lúcifer lhe diz tudo isso de dentro dele mesmo, não como alguém de fora. O que fazer quando o diabo diz a verdade? É a versão teológica do paradoxo do mentiroso.
Não há como não lembrar de Al Pacino, em Advogado do Diabo, sobre o que há de tentador na vaidade.
PS. Tom Zé tem talvez tenha a resposta para esse enigma teológico: eu tô explicando pra te confundir.