Nietzsche se denominava o primeiro psicólogo e é assombrosa a verossimilhança dessa afirmação. Cem anos antes que fosse publicado o estudo sobre o chamado efeito Dunning-Kruger, Nietzsche já falava da força e da confiança das pessoas estreitas. Não em termos epistêmicos, como quem coleta dados para justificar uma hipótese, mas como um atento observador da alma humana. As notas de um observador tem certamente um conteúdo epistêmico, mas não necessariamente se esgotam no propósito de justificar (coisa própria à ciência). É certo que o propósito de justificar traz muitas vantagens, mas há também desvantagens —mas essa é outra história, sobre a qual eu já escrevi um texto. Vamos então a Nietzsche:
O caráter bom e forte. — A estreiteza de opiniões, transformada em instinto pelo hábito, leva ao que chamamos de força de caráter. Quando alguém age por poucos, mas sempre os mesmos motivos, seus atos adquirem grande energia; se esses atos harmonizarem com os princípios dos espíritos cativos, eles serão reconhecidos e também produzirão, naquele que os perfaz, o sentimento da boa consciência. Poucos motivos, ação enérgica e boa consciência constituem o que se chama força de caráter. Ao indivíduo de caráter forte falta o conhecimento das muitas possibilidades e direções da ação; seu intelecto é estreito, cativo, pois em certo caso talvez lhe mostre apenas duas possibilidades; entre essas duas ele tem de escolher necessariamente, conforme sua natureza, e o faz de maneira rápida e fácil, pois não tem cinquenta possibilidades para escolher. O ambiente em que é educada tende a tornar cada pessoa cativa, ao lhe pôr diante dos olhos um número mínimo de possibilidades. O indivíduo é tratado por seus educadores como sendo algo novo, mas que deve se tornar uma repetição. Se o homem aparece inicialmente como algo desconhecido, que nunca existiu, deve ser transformado em algo conhecido, já existente. O que se chama de bom caráter, numa criança, é a evidência de seu vínculo ao já existente; pondo-se ao lado dos espíritos cativos, a criança manifesta seu senso de comunidade que desperta; é com base neste senso de comunidade que ela depois se tornará útil a seu Estado ou classe.
Nietzsche, Humano, demasiado humano, § 228