A humanidade é uma rede peer-to-peer

A
A tirinha é de 2017, mas continua atual.

Não sou um bom leitor de Frege. Minha leitura de Frege é predominantemente second handed. É uma colcha de retalhos, como o anti-Lula de Laerte, um remendo de leituras mal feitas de boas interpretações de outras mentes (dentre as quais está o próprio Wittgenstein). Sendo assim, considere o que se segue como se fosse ficção, como se fossem os versos de um poeta (sem pretensões epistêmicas).

Não penso que exista uma dimensão de generalidade que possa ser uma ferramenta universal de entendimento, como Frege acreditava (creio eu! vamos..) ao dizer que “a lógica é o árbitro no conflito de opiniões”. Não há universalidade fundante na experiência humana, devemos sempre fazer o esforço de nos conectar.. pois a humanidade é uma rede peer-to-peer (P2P), a conexão entre nós não pode ter intermediário (para que sejamos uma rede forte).

(Isso não significa que eu não entenda e admire a generalidade, o que ela tem de eficiente e, sobretudo, de promissor. Aquilo que ela promete ao nos fazer sonhar que podemos evitar a necessidade de ver qual é o caso, pois o caso já está determinado nessa dimensão de generalidade [como se fosse atual]. Não podemos alcançar uma dimensão de generalidade que nos permita contornar a necessidade de conexões P2P.)

Ilustração de uma rede peer-to-peer

A conexão P2P acentua o ajuste necessário à comunicação, um certo encaixe que não pode ser generalizado ou contornado por meio de generalidades. E é por isso que cada pessoa é um convite ao ajuste, e exige uma nova conexão, concreta, particular e específica. Em tempos de comunicação em massa parece como se em nome da eficiência que buscamos devêssemos aspirar à massificação e à generalidade (“quanto mais pessoas chegarem a mensagem, melhor!”, “quanto mais pessoas ela afetar, melhor”, “quanto mais pessoas sentirem que ela é algo comum, melhor”). Como se tudo pudesse ser definido de cima da baixo, verticalmente, dado o acesso de poucos aos canais de difusão de mensagens, que circulariam de forma centralizada. Eu entendo esse apelo da generalidade e reconheço sua força (seja na ciência, seja na publicidade; não posso negar a importância da publicidade, por exemplo). Por outro lado, essa outra discussão, ou melhor, essa imagem que nos permite pensar a humanidade de outro modo, não como conjunto de pessoas potencialmente receptoras (passivas) e consumidoras de mensagens gerais, massificadas e centralizadas, mas como análoga a uma rede P2P, atrai muito mais a minha atenção e fascina minha imaginação. O que pode significar essa analogia?

Uma rede bittorrent

Sou fã de redes P2P, especialmente da rede Bittorrent. Você pode facilmente entupir a sua rede (tornar o uso da internet impossível pra qualquer outro usuário que está dentro dela usando toda a sua banda) se estiver baixando um arquivo torrent com muitas seeds, com muitos seeders, e sem limites de download e upload. Quanto mais pessoas servindo, mais rápida e poderosa é a rede, mais dados ela consegue transmitir em menos tempo (eu lembro de já ter lido que o tráfego na rede bitorrent correspondia a 1/3 de todo o tráfego da internet; esse tipo de informação pode ficar velha muito rapidamente). E nem importa que existam muitos leechers, se houver muita gente servindo, a rede é forte. Acho que essa analogia tem uma dimensão ética, ou nos faz ver uma dimensão ética, que se apaga na busca pela generalidade e pela massificação. Essa inevitável, incontornável necessidade de aprender a estabelecer conexões P2P — que não podem ser evitadas mediante nenhuma generalidade, que nos força sempre a fazer um ajuste com cada pessoa que encontramos.

Hoje em dia, além dessa metáfora, dessa analogia, há outro tipo de rede tão interessante quanto, as redes blockchain. Embora uma rede blockchain também seja descentralizada, ela parece mais dinâmica, feita para que muito facilmente as informações que trafegam nela possam mudar. (Mas talvez essa seja só uma miragem produzida por minha visão superficial.) Dentro dela circula a mesma informação, os mesmo arquivos, por assim dizer (no caso do bitcoin, a carteira ledger com os dados dos usuários), e essa identidade é o que garante seu caráter descentralizado (que lhe permite prescindir de um servidor que centraliza e armazena as informações nela contidas), enquanto que nas redes P2P convencionais múltiplos arquivos podem ser compartilhados, usuários diferentes servem ou baixam diferentes arquivos.

Em qualquer caso, a pergunta fica: para onde deve ir uma rede descentralizada? Essa pergunta tem sentido? — Depende do tipo de rede! Se a humanidade fosse uma rede, a pergunta teria sentido?

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