A inferioridade atribuída aos negros ao longo de séculos tem um efeito nefasto sobre a auto-estima e o valor que as pessoas atribuem a si mesmas. Para remediar esse efeito a cultura negra criou sabiamente meios de estimular o amor dos negros por si mesmos e, no caso particular da cultura norte-americana, esse esforço deu lugar a uma tradição que chega até os nossos dias. A tradição de lembrar do próprio valor e de não deixar que preconceitos impeçam alguém de shine your light on the world. Espíritos iluminados com o de Aretha Franklin, ou Nina Simone, cantam e estimulam jovens a enfrentar com coragem o desafio de encontrar seu próprio valor numa sociedade que insiste em repetir, nas mais variadas circunstâncias, que eles não tem qualquer valor. Há poucos desafios mais difíceis do que o de acreditar no seu próprio valor quando tudo ao seu redor parece afirmar o contrário.
É comovente a tentativa de fazer as pessoas se emanciparem de um dos efeitos mais profundamente arraigados da escravidão, a servidão mental aos valores e ideias dos senhores de escravos. É verdade que a escravidão mental de que fala Bob Marley não é mera consequência da escravidão, mas sintoma do desprestígio da reflexão e do pensamento, ideias precursoras de muito do que há de mais valioso na cultura ocidental. Mas isso é especialmente difícil para aqueles que são lembrados continuamente de que devem permanecer nos seus lugares e de não podem ansiar nada além do que é adequado e condizente com sua condição inferior.
A disposição para infundir coragem e ânimo (lembremos que ânimo vem de anima) nos outros é marca dos espíritos fortes, daqueles que não se sentem ameaçados pela força e inteligência dos outros. Dos que não se empobrecem ao conceder, dos que tem uma outra ideia de força. É preciso ter a alma intacta para emancipar-se das próprias dificuldades e da tendência ego-centralizadora da mentalidade capitalista e se dispor a ajudar os outros a encontrar sua própria força.
A mais bonita cena de BlacKkKlansman, de Spike Lee, é quando Kwame Ture se dirige aos estudantes universitários num discurso contundente e cheio de espírito. Um novo pensamento exige que assumamos a tarefa de determinar novas regras e novos valores, e de suportar com determinação a resistência e a hostilidade que toda novidade deve enfrentar para provar sua força. E o final é apoteótico: all power to all the people.