Algumas críticas ao governo Wagner têm lançado sombras sobre sua administração. Um ano antes das eleições, é preciso entender o contexto dessas críticas a fim de identificar o que as anima. Embora não esteja imune a elas, o governo de Wagner tem muitos aspectos positivos. É honesto, transparente e fez o favor de colocar o estado novamente nos trilhos da institucionalidade. Com isso ele tocou no que há de mais sedimentado na cultura baiana. Vejamos brevemente o que acontece em três setores importantes.
Quem conhece os princípios que regiam a segurança pública nas administrações carlistas sabe o resultado de sua aplicação. Aliás, curiosamente, dias atrás eu voltava pra casa ouvindo a conversa do taxista sobre a insegurança na cidade. A certa altura ele disse: “Nesse governo criminoso tem direito, o Ministério Público só faz soltar bandido, é por isso que as coisas andam assim”. Calei, claro. Mas é significativo o contraposto que se pode fazer a partir da sua fala: direitos humanos parecem ter sido sempre uma carência no modo como se lidava com a criminalidade nas antigas administrações. As novas diretrizes do estado envolvem práticas e comportamentos que não mobilizam a violência e o desrespeito a direitos fundamentais como instrumentos de coerção à criminalidade. Sem dúvida essa nova abordagem contribui para aumento da violência. É um ônus que devemos pagar pelo avanço de reconhecer e realizar os direitos humanos fundamentais. O combate a violência não se resolve em tiros e caixões, envolve ações complexas que coordenam múltiplas áreas como educação, economia, cultura. É claro que para uma população acomodada — como a baiana, e a brasileira, de modo geral — “os fins justificam os meios”. A questão da violência é tratada à luz do único critério que reconhecem: como isso me afeta. Apesar dos obstáculos que inicialmente se impõem ao restabelecimento de uma ordem de direitos humanos, o poder público não deve se furtar aos seus compromissos. A solução não é fácil e uma análise honesta do desempenho do governo nesse setor deve saber destacar os avanços mesmo diante do quadro de aumento da criminalidade. À oposição “cabe” manipular o sentimento popular, escondendo as variáveis envolvidas na composição dos números que ela esgrime. Se os interesses do governo fossem meramente eleitoreiros, o antigo status teria se conservado. A administração estadual pagou o preço da mudança, ainda que ela não seja notada — nem apreciada. Agora, há certa ingenuidade em tudo isso. Apesar do empenho, Segurança Pública é um arma política forte e o governo parece não ter entendido isso. Polticamente, é ingenuidade não trabalhar com a hipótese de que os eleitores não irão alcançar o peso das mudanças — ou que não estão interessadas nelas. Por isso deveria haver um reforço significativo — e forte investimento — em inteligência e ação preventivas. As sementes plantadas nesse terreno não florescerão caso o governo não enfrente com maior vigor o desafio de reduzir os números da criminalidade.
Duas outras áreas seguiram o mesmo princípio: foram desarticulados certos métodos, procedimentos e o apadrinhamento que viciava a ação do estado. Na saúde, Jorge Solla enfrentou críticas as mais diversas. Entretanto, sanou as avultosas dívidas passadas, investiu, e lançou luz sobre a administração e repasse de verbas estaduais e federais, revelando os furos que vazavam dinheiro público, impedindo, evidentemente, que o serviço público de saúde fosse prestado com eficiência em algumas cidades.
O Transparência Bahia é o indicador mais forte dessa mudança que pode ser resumida na tentativa de fortalecer as instituições antes inteiramente comprometidas pela forte marca de personalidades que as substituiam. É certo que os laços entre duas pessoas correm com maior fluidez, mas favorecem privilégios e diminuem a força das instituições. Por essa razão as transformações realizadas pelo novo governo às vezes são sentidas como obstrutivas. São, no entanto, indispensáveis se quisermos efetivamente viver em democracia, num estado autônomo, transparente, equanime e, sobretudo, não-corrupto. Registre-se que a iniciativa do portal é uma das poucas do país.
Na Terra da Felicidade, a cultura é o setor que mais provoca críticas. É também o lugar onde a ruptura promovida pelo atual governo se torna mais evidente. A nota divulgado pelo governador, em resposta a críticas que lhe foram endereçadas por ocasião de um comentário seu, deixa ver as mudanças. A distribuição de recursos antes concentrada em poucos espaços deixou órfãos muito antigos aliados carlistas. Wagner e seu secretário Marcio Meirelles promoverem uma democratização dos recursos para cultura, financiando inúmeros eventos no interior, abrindo espaço para a riqueza e a diversidade que singularizam o cenário cultural da Bahia, seus artistas e representantes. O estado calamitoso que alguns vêem não é nada mais do que o resultado da dispersão de espaços antes pujantes, em benefício da distribuição e da oportunidade. Na linha de argumentação rasa que embala as críticas a Marcio Meirelles, faz-se confundir dispersão e negligência. Tenta-se vender o cerco ao apadrinhamento característico das antigas administrações como crise e falta de competência. Mas pela profusão de atividades e eventos promovidos, incentivados e financiados pela Secretaria vê-se que não se trata disso.
Enfim, nesses três setores é marcante o rompimento com as antigas práticas do governo estadual. Por consequência, há um ônus que resulta da necessidade de reorganizar o aparelho institucional às exigência de uma estado transparente, institucional e forte. Contudo, as mudanças não se dão sem transtornos. À parte as muitas críticas possíveis, alguns delas pretendem meramente confundir e transformar a simples mudança em fator negativo. A hombridade para arcar com o preço de uma administração não-eleitoreira, preocupada em preparar o estado e não em simplesmente externar parcas ações em campanhas publicitárias, é um dos motivos que me fazem avaliar positivamente a atuação do governo Wagner. Talvez só tenha lhe faltado malícia política para jogar o jogo que ACM dominava com maestria. Afinal de contas, não basta à mulher de César ser honesta, ela tem que parecer honesta. No jogo político, ser não basta, é preciso parecer.