Julgamento técnico e julgamento político

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O artigo do professor Fábio Ulhoa Coelho, intitulado A lógica do julgamento político, é extremamente interessante na medida em que ressalta as diferenças entre o que ele chama de julgamento técnico e julgamento político. Publicado ano passado, seu conteúdo, porém, é sempre atual, por isso merece nossa atenção. Recomendo que leiam o artigo antes prosseguir.

A lógica do julgamento político, Fábio Ulhoa Coelho (28/03/07)

As questões que se apresentam de imediato são: do que o julgamento técnico nos protege? O que ele garante? É preciso ter no horizonte essas perguntas. Antes, vamos ao texto buscar algum respaldo para uma resposta:

No julgamento técnico, realizado pelo Poder Judiciário, a presunção de inocência tem maior rigor do que no político, feito pelo Poder Legislativo.

A presunção de inocência não comporta diferenças de grau, não admite menor ou maior rigor, ou ela é um princípio diretor indispensável a prática judicativa ou ela é uma ferramenta a seu serviço, sem se constituir, contudo, como um dos seus pilares. No Poder Judiciário a questão é absolutamente clara:

Este “não dá para acreditar” tem, em suma, todo o sentido político; contudo, reproduz uma presunção absolutamente inaceitável pelos juízes.

Nada que pretenda ser justo pode, no domínio do Poder Judiciário, derivar da abstração desse princípio. Como tal ele é condição de possibilidade da justiça, bem como outros princípios constitucionais como o da ampla defensa e o do contraditório. Outra pergunta alinha-se às anteriores: é possível que uma noção de justiça se afirme com independência dos preceitos constitucionais? podemos falar de justiça sem que ela esteja baseada na observação dos princípios ditados pela Constituição?

Já podemos sugerir uma resposta às perguntas inicias: o julgamento técnico, isto é, um julgamento baseado em princípios e normas pré-definidos, nos protege da arbitrariedade dos agentes judicativos. A prescrição de tais elementos prévios determina de maneira relativamente fixa um domínio pertinente ao seu conteúdo. Embora eles admitam interpretações responsáveis pela flexibilização e adequação dos seus preceitos aos casos particulares, exige-se uma consistência entre a prescrição e a aplicação que é própria matéria de algo que, sem considerar anteriores aplicações para o termo, eu denomino “segurança jurídica”. O julgamento político, ao dispensar tais elementos, expõe os objetos a arbitrariedade dos seus juízes e esse problema não está inteiramente ausente na observação do professor. Ao falar da variabilidade da “lógica” do julgamento político no caso da absolvição de deputados “comprovadamente envolvidos no esquema” ele assinala a inconstância da aplicação de uma presunção de inocência, aqui entendida como ferramenta e não como princípio:

A lógica, agora, adota presunção diferente: a opinião pública parecia saciada e alguma satisfação já tinha sido dada pelo ato emblemático da cassação de um importante político.

E além disso destaca ao final:

Não se pode admitir a atuação dessa lógica apenas se ela estiver a serviço de práticas antidemocráticas, como seria a cassação de mandato com o objetivo de calar minorias parlamentares.

De algum modo o professor intui os riscos de aceitar uma julgamento desse gênero, embora não divise o alcance. São riscos relativos àquela já mencionada possibilidade: a confecção arbitrária de padrões de julgamento. A “segurança jurídica” garantida no julgamento técnico é resultante de um certo roteiro que define claramente o que é ou não conforme aos seus princípios. Quando os princípios são definidos no ato do julgamento, como evitar que eles sirvam a “práticas antidemocráticas”? Isto é, como é possível ainda falar de objetividade? Se a saciedade ou sofreguidão da opinião pública definem os parâmetros para julgamento, repito, como é possível falar de objetividade? Como nos protegeremos daquilo que se expressa na sentença “dois pesos, duas medidas”? Baseado no que nós devemos admitir uma noção de Justiça que não respeita noções que garantem outro conceito essencial ao Direito: a isonomia. No meu entendimento leigo, não posso aceitar que tais julgamentos não viciem também o princípio da legalidade. As perguntas que por fim restam sem respostas são: o que justifica adotar um julgamento que dispensa alguns dos mais importantes princípios constitucionais? É possível falar de Justiça fora das prescrições legais, há uma justiça paralela à Justiça que deve se buscar nos tribunais regidos pela Constituição? Se há, por que deveríamos preferi-la ao invés da justiça convencional? Se podemos dispensar os princípios constitucionais, por que não dispensá-los? Parece um grave erro manter no sistema elementos dispensáveis. O julgamento político pode dispensar a pretensão de ser justo? Baseado no quê? Já sei, no justo anseio de opinião pública. É uma Justiça que se consuma por extensão.

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