As noções de subjetivo e objetivo fazem parte do nosso cotidiano. No entanto, uma forte carga filosófica com frequência as vincula a compromissos teóricos e consequências mais amplas do que aparentam. Em geral empregamos a palavra subjetivo para designar as coisas que dizemos dependentes de fatores privados, internos, pessoais. Ou seja, subjetivo é algo que depende de nós. Por sua vez, objetivo diz-se do que independe de nós, do que é fático e, em certo sentido, público, passível de ser constatado por todos. Eis o contraste entre o que é privado e pessoal e o que é público e fático.
A gênese filosófica da distinção aponta para componentes que vem dissimulados nos usos que fazemos das expressões nos dias atuais. Na filosofia de Descartes, o subjetivo é o domínio de certezas fundadas na relação imediata e indissociável com meus atos de consciência. Se eu tenho fome, se imagino uma cabra, se amo, se enxergo um lagarto de 300m de altura se aproximando da minha varanda — todos esses atos de consciência são indubitáveis na medida em que são meus atos. Ninguém poderá contestá-los, se eu afirmar que os tenho — nem mesmo se eu disser enxergar Godzilla acercando-se de minha casa. A filosofia cartesiana vale-se da sútil mas importantíssima distinção entre o meu ato de consciência, subjetivo — eu vejo Godzilla — e a realidade como coisa externa, objetiva, matriz da apreensões da minha consciência — Godzilla está na minha varanda (em outras palavras: uma coisa é dizer que vê Godzilla, outra coisa é afirmar que ele de fato está onde você diz o enxergar). É claro que o que eu percebo depende do que me é dado à percepção, do mundo, da realidade, mas para os propósitos cartesianos interessava destacar uma inversão fundamental: a partir de então os atos de consciência enquanto atos subjetivos era indubitáveis, sendo falíveis apenas quando pretendessem falar do que é externo à minha mente, isto é, do mundo. E a verdade se representava assim, como correspondência entre o que um juízo — esta única variedade de pensamento que sofre de dubiedade congênita, justamente por pretender falar do algo para além das suas fronteiras — e uma realidade como padrão, régua por meio da qual determinamos o que é ou não verdadeiro.
O comentário acima talvez seja incapaz de ajudar a compreender as ideias cartesianas quem nunca tenha ao menos folheado as Meditações. Ele importa apenas para sublinhar o papel que cabe a uma realidade entendida como régua fixa, universal e imutável com a qual atestamos verdades (ou constatamos erros).
De certo modo o relativismo não é senão a reação ou uma consequência das reações contra as pretensões universais do conhecimento. Condensada nessa rúbrica está a lembrança de que nós não podemos abandonar as lentes subjetivas com as quais visamos a realidade. A pretensão de falar de um mundo como coisa independente, isolada, fixa, logo, destuitído da transitoriedade e contingência que nos é própria consiste numa inconfessável ilusão contra a qual deveríamos lutar. Talvez o efeito mais difícil de aceitar seja a constatação de que doravante mesmo aquilo que consideramos inquestionável e, em alguma medida, objetivo, está inseparavelmente ligado (isto é, depende) às nossas lentes subjetivas. Ora, mas parece haver um resíduo cartesiano nas ocasiões em que retorquimos, em tom de crítica: “Isto é subjetivo!”. Não é esta objeção o sintoma do desconforto com que lidamos com os efeitos do relativismo contemporâneo? Ela não solicita justo aquilo que já não podemos mais conceder: o respaldo de elementos mundanos independentes das nossas próprias coordenadas transitórias e efêmeras? Que sentido poderia ter uma objeção que supõe a nítida fronteira entre o mundo como eu vejo e o mundo como ele é? Ou melhor, qual é o seu sentido diante da impossibilidade de falar sob outro ponto de vista que não seja o “subjetivo”? É certo que podemos sempre repreender quem não tenha oferecido critérios (públicos) suficientes para suas conclusões e posições — e quem assim se recusar a oferecê-los decerto permanecerá encastelado em suas próprias percepções subjetivas — mas isso é algo bem singular e distinto do que ordinariamente vem embutido da queixa contra a subjetividade.
Assim como a genealogia nietzscheana faz emergir os valores dissimulados por trás da moral (perguntando sempre “quem fala?”, “que valores e interesses servem de paisagem a um sermão?”), o relativismo torna inescapável a constatação de que a organização das nossas experiências está ancorada em bases fixas, objetivas — mas fluídas. Por trás das cortinas não há realidade a que possamos apelar para exorcizar a insegurança que se segue à constatação de que nem mais a verdade pode recorrer a instâncias transcendentais.
PS. O relativismo tem seus próprios exageros. Seus prepostos em geral confundem a fluidez das nossas bases com o abrandamento das necessidades e da objetividade delas decorrentes. Em algumas ocasiões a confusão se faz notar. Apesar das aparências, não sou um relativista.