A “razão” na linguagem: oh, que velha e enganadora senhora! Receio que não nos livraremos de Deus, pois ainda cremos na gramática…
Nietzsche, Crepúsculo dos ídolos, §6
(II. A “razão” na filosofia)
Ninguém precisa nos ensinar que os americanos, ingleses, franceses e alemães são bons, inteligentes e fantásticos. Tudo ao nosso redor nos conta e confirma isso. (Veja como mesmo nossas melhores mentes parecem fascinadas pelo teatro da política americana, não apenas pelo interesse estratégico que lhe é próprio, mas também como se ela contivesse algo de intrinsicamente significativo.) O valor de certas coisas é absorvido quase por osmose, sem que ninguém precise ensiná-lo. Mas aprender o valor das coisas brasileiras, ao contrário, exige um enorme esforço pela mesma razão: porque tudo no Brasil parece confirmar que somos desajeitados, mansos, acomodados, preguiçosos, etc. Tudo feito e pensado no Brasil é logo sombreado pelo espírito da quarta melhor prostituta do Cazaquistão que jénios como Diogo Mainardi não cansam de denunciar.
Não se trata de escolher um lado em nenhuma disputa nacionalista, patriótica, bairrista ou coisa que o valha. Trata-se apenas de reconhecer que as nacionalidades são elementos simbólicos que assumem o papel de eixo das nossas práticas: de pontos de articulação que estão sempre presentes como coisas a respeito das quais boa parte de nós estamos de acordo. Mas não estamos de acordo porque são verdadeiras, mas porque somos ensinados a agir assim (é o condicionamento, mais uma vez, mostrando sua importância). É nesse sentido que nossas práticas moldam nossas crenças mais fundamentais — e também o valor atribuído a cada nacionalidade (e a tudo o mais).
O importante é menos reconhecer o valor das coisas brasileiras e mais escapar das armadilhas e enfeitiçamento da gramática e de suas imagens, que fixam certas valores e moldam (às vezes indefinidamente) nossa maneira de ver o mundo.