Nada mais importante do que encontrar meios de lidar com o desafio que é o convívio social. Esse desafio é não poucas vezes recusado e rechaçado pelas pessoas, por razões compreensíveis, o convívio humano é muito difícil, apesar da nossa inevitável sociabilidade. Eu sempre fui um defensor do amor romântico, mesmo que ele tenha sido visceralmente enredado na trama do desejo capitalista, ainda que cada uma das suas características aponte a algo prescrito pelo capitalismo. No entanto, hoje parece inevitável ver o amor romântico como uma cilada quase incontornável.
Diante da dificuldade posta pelo convívio com os outros seres humanos, as pessoas buscam saídas, atalhos, respostas rápidas: encontrar pessoas e espaços seguros, construir ilhas de sociabilidade nas quais viver isolados dos Outros. E o amor romântico é a mais perfeita ilha, o mais desejável refúgio, porque é o (produto || mercadoria)
perfeita. Qual então é a cilada? A cilada é que o amor romântico não necessariamente cumpre o que promete. O aspecto principal desse refúgio é a estabilidade, as relações amorosas são construídas sobre a promessa da eternidade, daquilo que não acaba, de tal maneira que as pessoas se organizam (compreensivelmente) contando que ele não termine — e eventualmente ele termina. É como se elas pensassem: “eu não preciso resolver meus dilemas com os outros seres humanos, porque encontrei meu amor, meu refúgio, e essa pessoa é o meu canal com os outros, com a humanidade, por meio dela eu encontro meu caminho aos outros sem dificuldades”.
O primeiro que deve ser dito é: uma coisa não anula a outra. É verdade que através do amor aprendemos a lidar com a humanidade inteira, mas isso não significa que o amor romântico deve ser o único caminho, especialmente para as pessoas que tem muito o que resolver na sua relação com os outros. Não há como escapar dos desafios da sociabilidade e as pessoas que acreditam que há escapatória costumam apostar nos parceiros românticos ou então nos filhos (o que é uma cilada ainda maior, mas essa discussão fica para outro momento). É um erro social e político organizar a vida em função de uma estabilidade permanente, especialmente quando a relação com os outros não está bem resolvida. O fim de um amor encontra pessoas despreparadas, atrofiadas no seu já incipiente modo de lidar com os outros e a tendência é que essa circunstância desemboque em amargura e ressentimento que se estendem até o fim da vida.
Hoje em dia eu vejo jovens — especialmente nativos digitais, que por definição tem problemas sociais derivados da interposição ao convívio estabelecida pelos meios digitais — embarcando seriamente nessa cilada, apostando todas as fichas em relações românticas e dando as costas a notórias dificuldades de sociabilidade. O amor é uma ponte para os outros, um meio para aprender a chegar até eles, não um muro ou um refúgio contra eles. E às vezes se aprende tarde demais essa lição.