Tudo podemos vender pros outros. Vendemos nossas relações mais íntimas, nosso amor, os livros e as coisas que a gente lê, aquilo que ouvimos, o que vemos no cinema, o que cozinhamos e aquilo que consumimos em restaurantes, tudo pode ser publicizado, pode ser transformado em capital simbólico por meio de uma exposição publicada em qualquer rede social. Não é preciso ter milhões de seguidores para querer vender algum aspecto da nossa vida. Vender a vida na vitrine das redes sociais é apenas uma maneira de importar-se com o que os outros pensam, de extrair disso alguma forma de validação. Quem não quer um pouco de confirmação de que somos especiais?
O preço dessa validação, no entanto, é caro, porque quem se vende quer ser comprado e consumido. Se não for, é um fracasso, uma derrota. A intimidade no tempo da consumição da vida privada é aferida pela quantidade de pessoas que nos consomem, melhor ainda se pudermos ser, além de consumidos, também aprovados (com like, retweet, comentário, o que for) e imitados. Parece então impossível escapar à cilada do influencer, que é a de pensar que a nossa vida tem que ser um modelo que as outras pessoas querem imitar. O desejo de imitar é o deleite do influenciador, pois é a própria validação, mas disso resulta também a preocupação com a edição, com o controle daquilo que se expõe, que pouco a pouco consome nossa alma, de tal sorte que nos distanciamos completamente da autenticidade. Mesmo que estejamos à vontade com o personagem que criamos para nos vender e nos expor, somos sempre a máscara, bem talhada, mas ainda assim artificial, sem a riqueza e a liberdade das nossas feições naturais. Como não pensar a intimidade de muitos dos nativos digitais como essa capacidade para expôr, não o autêntico e real de si, mas o devidamente editado e curado? Intimidade sem autenticidade produz a cumplicidade que novas gerações colocaram no seu lugar, aquela que La Boétie dizia existir entre os maus.
É difícil compor uma história para a nossa vida se todos precisamos ser protagonistas. E é complicado não querer ser protagonista num mundo que nos ensina a vender tudo, o tempo todo, e que alimenta um arquétipo criado no século XX e adicionado ao painel de arquétipos inventariados por Jung, o arquétipo do pop star.