O lado feminino de Don Draper

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A situação era a seguinte: o terceiro filho de Betts e Don Draper havia nascido há poucos dias e a filha mais velha deles, Sally, não reagiu bem à presença do irmão, Eugene. Não muito tempo antes do nascimento, o avô de Sally morreu enquanto passava uma temporada na casa de Betts e Don. O nome do avô? Eugene!

Embora Don seja um exemplo paradigmático do masculino e a série esteja centrada nos homens, Betts é também um caso perfeito de um paradigma, de um modelo do feminino do seu tempo — uma espécie de anti-Sylvia Plath, ou melhor, uma anti-Esther. E até a terceira temporada sua relação com Sally parece refletir os limites do que pode oferecer alguém demasiadamente encaixado no modelo que sua persona exemplifica. Betts tenta contornar a situação comprando um boneco (acho que o Ken, da Barbie) e dizendo a Sally que tinha sido seu irmão caçula quem o havia comprado para ela. Um modo comum de contornar preocupações infantis.

Nesse dia Don chega em casa e encontra o boneco no jardim de casa, lançado aí da janela. Ele pega o boneco e o coloca sobre a estante do quarto de Sally, enquanto ela dorme. Pouco depois, quando já está em seu quarto, Don e Betts escutam gritos de medo de Sally, gritos que acordam seu irmão recém-nascido. Esse é o contexto da cena abaixo.

A solução que Don encontra para, digamos, promover uma conciliação entre Sally e seu irmão é notoriamente feminina, aliás, como boa parte de seus atributos. Não se pode negar que Don Draper é bonito e charmoso, ou seja, que também tem atributos que não se reduzem ao feminino, mas estes atributos estão a reboque de outros mais centrais, que instrumentalizam o restante. Nesta situação Don não faz mais do que aproximar os corpos e reuni-los sob o manto do afeto e da intimidade: nada mais feminino. Isso não quer dizer que os homens não possam agir afetivamente, mas nos homens essa não é uma disposição natural nem social; é parte dos atributos próprios a Don, de sua idiossincrasia, saber mobilizar o afeto como parte de suas ações — para o bem e para o mal, diga-se de passagem. A mesma sensibilidade que o faz vulnerável à presença divina de Rachel Menken também o transforma num predador eficiente ante criaturas com menos predicados.

De qualquer modo, é comovente ver um caso tão emblemático do masculino manifestando a força (e a beleza) do feminino. Dá uma boa ideia do que podemos ser de melhor.

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