Temos aqui duas coisas aparentemente diferentes. A primeira é Wittgenstein falando sobre a publicidade da linguagem, em diferentes momentos.
Se um leão pudesse falar, não poderíamos compreendê-lo.
LudWig wittgenstein, Investigações Filosóficas, II, § 327
Um quase-coroinha dizendo algo de aparência bombástica com a ingenuidade de uma criança:
Deus, se tivesse olhado no fundo de nossas almas, não teria sido capaz de saber de quem nós falávamos
LudWig wittgenstein, Investigações Filosóficas, II, § 284
Depois, John Searle apresentando de modo cirúrgico uma objeção às teorias computacionais da mente:
A computação é definida sintaticamente. É definida em termos de manipulação de símbolos. Contudo, a sintaxe em si mesma não pode nunca ser suficiente para o tipo de conteúdo que apropriadamente acompanha pensamentos conscientes. Em si mesmo ter apenas zeros e uns é insuficiente para garantir conteúdo mental, consciente ou inconsciente (…) Absolutamente essencial para entender a natureza das ciências naturais é a distinção entre aquelas características da realidade que são intrínsecas e aquelas que são relativas a um observador. A atração gravitacional é intrínseca. Ser uma nota de cinco dólares é relativa a um observador. Agora, a grande objeção às teorias computacionais da mente pode ser formulada com bastante clareza. A computação não nomeia uma característica intrínseca da realidade, mas uma relativa ao observador, e isso porque a computação é definida em termos de manipulação simbólica, mas a noção de ‘símbolo’ não é uma noção da física ou química. Algo é um símbolo somente se é usado, tratado ou considerado como um símbolo. (…) Não há nenhuma propriedade puramente física que zeros e uns ou símbolos em geral possuam e que determine que eles sejam símbolos. Algo é um símbolo somente relativo a algum observador, usuário ou agente que lhe atribua uma interpretação simbólica. Então a questão, “É a consciência um programa de computador”, não tem sentido claro.
John Searle, Consciousness and Language
Nas réplicas ao artigo de Searle, Minds, brains and programs, estão algumas das boas mentes da filosofia analítica (alguns ex-analíticos, se poderia dizer): Arthur Danto, Daniel Dennett, Jerry Fodor, Richard Rorty.
Colocando as duas coisas lado a lado dá para ver que a crítica que Searle resume tão bem já estava em Wittgenstein, no caráter público e social da linguagem; no fato de que o código só vem muitoooo depois da prática — no princípio era o ato!; e na irredutibilidade do ato ao código (norma, lei, chame do que quiser). Aliás, as teorias computacionais da mente são a menor das coisas que tombam com o pensamento de Wittgenstein, a maior delas são os projetos e ambições derivadas do modelo lógico e matemático que ampara a computação (e Turing é seu cúmplice). Não digo isso para menosprezar o pensamento de Searle, que é nada menos que brilhante, apenas para lembrar como é extenso e profundo o legado esquecido do pensamento de Wittgenstein. Ignorado (entre outras razões) porque politicamente inconveniente!
PS. A memética é outra coisa que não para em pé considerando a ideia de regra de Wittgenstein. Embora eu goste muito dela, em teoria (nunca li a respeito realmente!).