Isso faz sentido pra você?

I

Há aspectos que unem misteriosamente pessoas bem diferentes. Ainda que elas não tenham nenhuma proximidade ou influência umas sobre as outras. A ideia do “contemporâneo” em literatura tem me fascinado, mas os contemporâneos são tremendamente diferentes uns dos outros. O que nos permite colocá-los num mesmo grupo é uma semelhança de família, não o pertencimento a uma classe que possui atributos comuns. É preciso um outro modo de entender conceitos para compreender o modo com esses autores são reunidos, um modo wittgensteiniano.

David Foster Wallace é um desses contemporâneos. Numa entrevista publicada no Youtube ele faz algo curioso, ele expõem suas ideias e depois pergunta à entrevistadora: “isso faz sentido pra você?” Embora fosse um sujeito articulado e cuidadoso na escolha das palavras, Wallace repete a pergunta uma ou duas vezes ao longo desse curto vídeo. Parece insegurança de quem não sabe como dizer, mas não é. Há muitos modos de dizer e o mais importante numa comunicação é saber se o que foi dito tem sentido, se logramos dar sentido às palavras de tal modo que o outro possa entendê-las. Concordar ou saber se o que se diz é verdadeiro ou falso é completamente secundário.

Para nós que vivemos numa sociedade científica, isso é especialmente difícil de compreender. Entender que a determinação do verdadeiro e do falso depende de que antes se entenda o sentido do que se diz. Estamos tão costumeiramente apressados refutando consequências que não nos agrada que esquecemos de nos certificar que verdadeiramente entendemos o que é dito. Em realidade, não poucas vezes a refutação categórica é apenas um modo de mascarar a falta de entendimento, uma estranha forma de disfarce, como a roupa do rei. Rechaçamos para não confessar que não entendemos, para esconder nossa “falha”. É como se todas as pessoas tivessem que entender tudo, o tempo todo, pois de outro modo serão vistas como burras ou incompetentes. Assim, dizer que não entendeu vira um tabu, e alguém pode se surpreender ao constatar que a astúcia de esconder a falta de entendimento predomina mesmo em ambientes acadêmicos, onde supostamente deveria prevalecer a honestidade. Dizer algo com sentido é um compromisso de comunicação que David Foster Wallace demonstra; exige esforço, sensibilidade e ajustes constantes do que se diz. A dinâmica de uma conversa tende a não favorecer quem escuta, porque sobre essas pessoas pesa o ônus de entender — ou de confessar não ter entendido, esse tabu. É fácil e conveniente esconder o que se diz (ou se quer dizer) na neblina de frases com o sentido vago e/ou obscuro, todos sabemos disso.

No entanto, o primado do sentido coloca outra dificuldade, outro desafio para nós que suspeitamos da neblina dos discursos que não entendemos: certas coisas precisam ser ditas de um modo não convencional, de tal sorte que o entendimento se vê dificultado pela novidade do dizer. Nesses casos, é difícil distinguir aqueles que dizem o novo por necessidade daqueles que meramente obscurecem a linguagem para enganar. E aqui mais uma vez nossos hábitos científicos atrapalham, a crença na universalidade do método e instrumentos científicos fazem supor que “tudo o que pode ser dito pode ser dito claramente” (como está escrito no Tractatus Logico-Philosophicus). Como se a linguagem não fizesse mais do que representar fatos. É difícil compreender as necessidades do dizer quando se crê que tudo que se pode dizer é representação verdadeira ou falsa. E por isso também a literatura (como expressão da arte) tem tanto a nos ensinar, quem dera fossemos pessoas dispostas a aprender essas lições.


Falando em máscaras e atitudes inconscientes, lembrei desse comentário de Nietzsche:

Motivo do ataque — Não se ataca apenas para fazer mal a alguém, para derrotá-lo, mas talvez simplesmente para tomar consciência da própria força.

Nietzsche, humano, demasiado humano, § 317

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