Ritmo e reflexão

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O ritmo de uma sociedade condiciona a qualidade de sua reflexão. Nossa capacidade reflexiva não acompanha a velocidade de desenvolvimento dos processadores. Como o ritmo é cada vez mais alucinante, nos tornamos potencialmente menos capazes de produzir uma reflexão profunda. É claro que isso não quer dizer que não existam pessoas refletindo profundamente, mas apenas que nossa sociedade progressivamente asfixia as condições desse tipo de pensamento. O ritmo de produtividade aumentou exponencialmente nas últimas décadas mas nosso hardware continua o mesmo. Acho que as novas condições ambientais, psico-sociológicas, chame como quiser, determinaram em nós mudanças rápidas e incríveis no que diz respeito a questões como memória e atenção. Mudanças notáveis com respeito às gerações passadas ou aos nossos parentes, os macacos.

Mas essas mudanças não são absurdamente significativas como as mudanças dos processadores (mais particularmente dos transístores) dos anos 80 em relação aos que temos hoje. Não a ponto de mudar também as condições materiais necessárias à reflexão e, por consequência, nossa capacidade de refletir. Nós ainda precisamos de tempo e liberdade. Duas coisas de que já não dispomos por duas razões principais: pela imposição de um ritmo frenético de produção (acadêmica) e pelas demandas de influência necessárias para manter a comunidade científica e seu jogo de legitimação do conhecimento. A capacidade reflexiva da filosofia, por exemplo, já foi profundamente afetada por ter sido engolida (ou ter se deixado engolir) pela institucionalização científica das universidades. E quem pensa fora desse jogo (da sua dinâmica peers review) tende a se contaminar com a falta de legitimidade dos meios não-institucionais, do charlatanismo que grassa pelo mundo. É um beco sem saída.

A ciência se tornou nossa religião, cremos nela como quem crê na Virgem de Pilar — e ao que nos parece a única alternativa à adesão incondicional a essa visão de mundo é o terraplanismo e outros que tais. A falta de imaginação tem realmente nos custado caro. É a imaginação e não a tecnologia, a única que pode nos salvar.

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