É fácil ridicularizar qualquer ideia e pensamento, basta estar diante de uma audiência que já concorda com as ideias que você defende. Para ridicularizar não é preciso mais que uma audiência. Nenhuma verdade. A verdade não tem nenhuma importância aqui. Quando as pessoas já estão de acordo sobre alguma coisa, o que se diz sobre essa coisa é na maior parte das vezes uma questão de publicidade, de controle sobre a opinião dos outros, nunca de verdade, de razão — ou de ciência. A sociedade tecnológica olha com nojo o pensamento não-científico — e os profundos acordos que o tornam possível — como uma espécie de barbarismo, algo a ser remediado pela verdade que os técnicos conhecem. Tudo é uma questão de saber a verdade, de ter uma sociedade orientada à verdade. Mas a verdade virou a Virgem de Pilar. Os donos do mundo e os técnicos que trabalham para eles não sabem como essa verdade asséptica — capaz de curar o barbarismo de certos pensamentos e trazê-los de volta a reta razão — toca a vida real das pessoas. E porque eles não sabem isso, não são capazes senão de criar paliativos enquanto vendem a ilusão de que há respostas sistêmicas aos múltiplos desafios que enfrentamos. Bactérias que devoram plástico. Plantações que não precisam solo orgânico.
Enquanto uma solução técnica para o mundo vai sendo forjada em algum laboratório ou centro de pesquisa — ainda que os donos desses laboratórios estejam cagados de medo de colapsos sociais, como conta Douglas Rushkoff —, outros acordos vão sendo urdidos às margens da ciência e das bases epistêmicas da bendita civilização ocidental. Acordos que não podemos entender pelo simples fato de que não estamos prestando atenção. Ninguém presta atenção senão desinteressadamente a algo que julga inferior. Talvez esses que endossam os novos acordos estejam muito longe de onde estamos e por isso não escutamos os acordos sendo selados. Acordos que envolvemos o medo, que são reações ao medo. Um medo que os donos do mundo não entendem senão como ficção — ou como terrorismo —, um medo muito distante da vida real dessas pessoas, porque naturalmente, como todos nós, elas vivem em suas bolhas. Deve ser por isso que o terror tem se transformado numa das mais interessantes expressões da criatividade cinematográfica. De qualquer forma, é preciso deter o medo, pois o medo sempre foi capaz de reunir grandes audiências. A mentira está em busca de uma audiência e ela tem sido tremendamente eficiente nessa busca. Os donos da verdade, por outro lado, seguem acreditando ingenuamente que basta brandi-la para que os outros a reconheçam e a aceitem, eles tem atrofiada sua capacidade de se fazer entender, de conectar verdades cada vez mais abstratas e compartimentalizadas em nichos de saber especializado à vida real das pessoas. Quem pode determinar que efeitos se seguirão da prevalência de acordos muito diferentes dos que lastreiam a ciência e a verdade?