A situação do Brasil é mesmo delicada. De um lado, a tentativa de organização de um movimento que, receio ter que concordar com os governistas mais empedernidos, ressente a golpismo. A despeito das exceções, o movimento reflete a infantilidade política de um país no qual as instituições são apenas fachadas que dão ares de legitimidade à vontade dos atores cujo poder determinam ou pretendem determinar o destino do país (isso vale tanto pra ilustrar o ímpeto civil representado por esse movimento como também para explicar as ações governamentais). A mais-que-legítima inconformidade com os rumos do país ganha a feição de um reivindicação sintomática na qual o que se expressa é a inconformidade com o próprio resultado democrático. “Dilma de novo? não é possível que esses idiotas não vejam a cagada que fizerem”, dizem eles. Democracia sim, desde que vença meu candidato. A birra de criança assim manifesta é uma das representações da imagem que certos brasileiros fazem de si — e do outro. “Eu, profissional formado, trabalhador, pagador de impostos — dizem eles — sei bem o que é o melhor pro país, mas meu voto vale tanto quanto o de um desempregado analfabeto, que insiste em não enxergar o que qualquer pessoa minimamente instruída identificaria sem dificuldades”. O que se exibe nesses movimentos é a presunção bem própria do bacharelismo brasileiro, as múltiplas facetas da obra da escravidão que nunca soubemos apagar das nossas ações. A certeza de que, a outorga de certos títulos, a posse de certos bens ou até a relação com certas pessoas concedem a alguns juízos superiores aos de outros. No entanto, essas pessoas, pouco afeitas à democracia, embora plenas de razões para chancelar como melhores suas próprias escolhas, talvez não contem com o fato de que nossas instituições tem se fortalecido nas últimas décadas. Por maior que seja o empenho, o aporte financeiro e o vontade de dar ânimo ao movimento por parte de atores e setores os mais diversos, a estrutural institucional do país já não é tão frágil a ponto de se deixar levar pelas fantasias de grandeza autocrática de certos grupos. E a democracia, com todos os seus prós e contras, seguirá, apesar deles.
Por outro lado, um grupo de irresponsáveis que até bem pouco tempo enfrentavam qualquer crítica (à esquerda) brandindo a realpolitik como uma espécie de palavra-mágica. Como se não houvesse alternativa senão jogar o jogo e como se esse fosse o único caminho. Agora, de repente, esse grupo passou a observar que o problema político do Brasil é “estrutural”. Quer dizer, se aceita o jogo e se joga conforme as regras, reputando como ingênuo quem quer que não concorde com elas (não fazemos o jogo, dizem eles), quando então os resultados inevitáveis aparecem, deixam de ser responsáveis pelas escolhas que fizeram e se tornam uma estranha espécie de vítima, tragadas pela inevitabilidade do jogo. Tudo está errado nessa análise conveniente. O PT sim foi responsável, não apenas por ter assentido ao jogo, mas por ter planificado o próprio espaço do debate, reduzindo os espaços e rotulando tudo que fugisse à lógica binária que lhe convinha. Mas o PT foi responsável, sobretudo, pela enorme inépcia com que, nos 12 anos de governo, tratou a educação. O partido repetiu o que foi feito em toda a história da nossa República, pensou a educação apenas como instrumento econômico e social, como engrenagem provedora de material humano necessário à economia. Esqueceu nada menos que a dimensão de cidadania que é própria à educação e, com isso, solidarizou-se com as radicalizações oportunamente manipuladas por marketeiros em tempos de eleição, mas que não podem oferecer terreno a um debate maduro. Se agora se vê acuado por uma parcela da população que vê sua voz amplificada não apenas por uma insatisfação difusa, mas também por interesses de grupos bem conhecidos, é porque também não soube, nesse longo período no poder, trabalhar para qualificar o debate político através da formação de uma juventude mais crítica, menos sujeita ao sempre sedutor apelo das simplificações.
O que a infantilização política alimentada por esse enorme descaso com a educação produz, nenhuma reforma política pode desfazer. Discutam o que quiserem os cientistas políticos. Nenhuma das mudanças imaginadas para o país se realizará enquanto não estiver consorciada ao enfrentamento rigoroso e definitivo dos nossos problemas educacionais. Todas as medidas serão apenas paliativos que ensejarão os muitos debates vazios, o academicismo estéril que o Brasil produz em abundância. Sem dúvidas, muitas mudanças estruturais podem contribuir, mas nenhuma bastará enquanto estivermos marcados pelo estigma de um país cuja primeira Universidade nasceu pela necessidade de outorgar um título honoris causa a uma autoridade estrangeira, ou de uma República que demorou mais de 120 anos para criar um ministério exclusivamente dedicado à educação.