Em The enigma of capital, David Harvey analisa as variáveis comuns a muitas crises do capitalismo. O processo de urbanização é um dos fatores mais frequentemente ligados a elas, ora como remédio, ora como veneno. Já na Paris do século XIX a urbanização havia sido adotada como estratégia para absorver o excedente de capital, impulsionando a circulação necessária ao sistema e abrigando a força de trabalho então disponível. Em nossos dias, dias nos quais o dinheiro circula sem barreiras através do globo, o capital não só pode ser investido em qualquer ponto do planeta, mas também as operações de financiamento nas quais ele se vê envolvido podem dar margem outras operações, ainda mais lucrativas e quase livre de regulações. Vê-se então o papel central que cabe aos processos de reconfiguração geográficas para a manutenção de um sistema de precisa continuamente de novas opções de investimento.
Mas o que impressiona, nos relatos apresentados por Harvey, é a semelhança com os princípios de práticas comuns aqui no Brasil:
The darker side of surplus absorption through urban transformation entails, however, repeated bouts of urban restructuring through ‘creative destruction’. This highlights the significance of crises as moments of urban restructuring. It has a class dimension since it is usually the poor, the underprivileged and those marginalised from political power that suffer primarily from this process. (The enigma of capital, p. 176)
Em seguida, Harvey apresenta mais uma vez o exemplo de Paris para indicar a longevidade da estratégia e assinalar o caráter estático das consequências, ações e justificativas mobilizadas para empregá-la.
Violence is often required to make the new urban geography out of the wreckage of the old. Haussmann tore through the old Parisian slums, using powers of expropriation for supposedly public benefit, doing so in the name of civic improvement, environmental restoration and urban renovation. He deliberately engineered the removal of much of the working class and other unruly elements, along with insalubrious industries, from Paris’s city centre, where they constituted a threat to public order, public health and, of course, political power. He created an urban form where it was believed (incorrectly, as it turned out, in the revolutionary Paris Commune of 1871) sufficient levels of surveillance and military control were possible so as to ensure that the restive classes could easily be controlled by military power. (The enigma of capital, p. 176)
Qualquer semelhança entre o pensamento que justifica as ações na Paris do século XIX e em Salvador, no século XXI (ou no Rio de Janeiro, no início do século passado), não é mera coincidência. Convém indicar ainda mais um caso:
The value of the land in Dharavi, one of the most prominent slums in Mumbai, is put at $2 billion and the pressure to clear it – ostensibly for environmental and social reasons – is mounting daily. Financial powers backed by the state push for forcible slum clearance, in some cases violently taking possession of a terrain occupied for a whole generation by the slum dwellers. Capital accumulation on the land through real estate activity booms as land is acquired at almost no cost. (The enigma of capital, p. 178)
Pinheirinho, as obras da Copa, incêndios inexplicados em São Paulo, são muitos os casos e variados os motivos e circunstâncias que ensejam as justificativas para que o mercado imobiliário receba de novo a benção para produzir riqueza (para os mesmos de sempre), em nome do bem público, do desenvolvimento, do salutar ajustamento econômico. Termino com a conclusão a que chega o autor depois de citar relatos e observações de Engels sobre questões semelhantes: “It is depressing to think that all of this was written in 1872”.