Maquiavelismo e pragmatismo político

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Entre um gole e outro (meus), meu bom amigo Fábio Freitas me vendeu a sobejamente conhecida tese de que o PT só alcançou seus mais destacados êxitos eleitorais depois que abandonou as práticas ginasiais e soube amasiar-se às figuras certas, tolerar interesses determinados e coisas afins. Em certa medida a tese me parece explicativa! O problema é que ao dar o passo seguinte e afirmar que política séria só se faz assim — que esse é o único meio de obter sucessos eleitorais, fugindo da vocação para capitanear exclusivamente grêmios estudantis — corre-se o risco de fabricar sem aviso uma perigosa máquina de legitimação do status quo.

Ideias e projetos são alguns dos fatores decisivos para explicar a capacidade atrativa dos partidos (e até mesmo dos candidatos em isolado). Essa não é uma regra, mas um bom ponto de partida. É evidente que a política comporta uma plasticidade essencial: é parte do jogo a capacidade do ceder, flexibilizar, sacrificar momentaneamente interesses em vista de objetivos a longo prazo, etc. De acordo com a tese em questão, o PT deixou de lado algumas de suas bandeiras em nome da viabilidade eleitoral. Deu certo! E sem dúvida esse sucesso foi determinante para que conquistas inegáveis fossem alcançadas. Mas isso não muda o fato de que o poder político deveria ser mero instrumento na realização dos interesses que deram ânimo ao partido — ou seja, é sinal que algo indesejável aconteceu quando o instrumento se transforma num fim em si mesmo, capaz de legitimar todo tipo de atitude e comportamento. Mudanças acontecem, aprimoramentos vão sem dúvidas dar novas feições a antigas ideias — mas elas não podem apagar por completo a identidade originária de um partido. A tese de que a política séria deve ser feita a partir do amargo entendimento de que é necessário se aliar às mais sórdidas figuras e interesses, e mesmo abrir mão de ideais originários (utópicos, alguns diriam), instaura o maquiavelismo político que sacrifica a pluralidade de ideias. Se o pragmatismo político impõe um caminho único, é natural que as negociações do processo político transformem a pluralidade antes acentuada numa homogeneidade onde mal se distinguem as diferenças. E a necessidade de êxito eleitoral vai impondo o regime maquiavélico onde os fins justificam os meios: em nome da necessidade de manutenção do poder caem por terra os ideias que alimentaram a luta histórica pela vitória.

Mas se por fim para manter no poder aqueles que lutavam por antigas bandeiras e ideias somos levados inexoravelmente a abandoná-las, de que serve então o poder? E mais do que isso, por que preferir o PT ao PSDB, por exemplo?

Por que um soteropolitano que assistiu sua cidade ser pilhada durante décadas sob o olhar de um poder público omisso em relação aos abusos do setor imobiliário deveria votar num PT que em nome da vitória se alia aos mesmos representantes dos setores responsáveis pelo sua fragrante decadência? Não é questão ideológica ou teória, mas prática.

Se para chegar e/ou continuar no poder o PT tem aberto mão de certas ideias que pareciam ser constitutivas, identitárias, por que deveríamos continuar votando nele?

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