Relendo o Da Certeza pensei que talvez fosse interessante recortar alguns fragmentos para ilustrar o que há de instigante e desafiador no pensamento de Wittgenstein. Não estou certo de que será fácil alcançar os limites do que ele propõe com exemplos triviais, mas vale a tentativa.
106. Suponha que algum adulto tenha contado a uma criança que ele foi à lua. A criança me conta a história e eu digo que ela é só uma piada, que o homem nunca esteve na lua; ninguém nunca esteve na lua [lembrem-se que o texto data de 1940]; a lua está a uma longa distância de nós e é impossível subir ou voar até lá. — Se agora a criança insiste em dizer que há uma maneira de chegar lá que eu não conheço, etc., o que eu poderia responder? O que eu poderia responder a adultos de uma tribo que acreditam que pessoas às vezes vão até a lua (talvez eles interpretem seus sonhos assim) e que de fato admitem que não é possível através de nenhum meio ordinário subir ou voar até lá? — Mas uma criança normalmente não irá se prender a uma tal crença e logo será convencida por aquilo que nós lhe contarmos com seriedade.
107. Não é inteiramente assim como alguém pode instruir uma criança a acreditar em um Deus, ou que não existe um Deus, e de acordo com esta ou aquela outra, razões aparentemente convincentes podem ser produzidas?
Da Certeza, tradução e grifos meus.
É um desafio a nossa política multiculturalista, e um ponto de partida para a reflexão sobre a nossa relação com as verdades axiais e estruturantes com as quais pensamos e julgamos outras culturas.