Explicando o anticorinthianismo!

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Ou: Times grandes, QUEM os define?

O torcedor do São Paulo dirá que time grande precisa ter vencido no mínimo dois Mundiais Interclubes. O torcedor do Flamengo sentenciará que é preciso ganhar ao menos uma Libertadores. O torcedor do Bahia responderá que é necessário possuir mais de 40 títulos de campeonatos estaduais. Assim diferentes torcedores definem, cada um a sua maneira, como se caracteriza um time grande. Há uma vagueza aí — se é que podemos designá-la assim — perfeitamente natural e aceitável. Vagueza que convive perfeita e harmoniosamente com uma convergência em torno de certos critérios: títulos, expressão simbólica, torcida, etc. Definida de maneira cabal e categórica, não há nenhuma lista de critérios e não é preciso que haja, pois, repetindo, a aparente vagueza convive perfeitamente com uma certa convergência, com o emprego relativamente consensual de critérios nos usos que fazemos diariamente nos botecos, nas mesas de bar e em outras solenes ocasiões.

No entanto, há uma exigência que eu observo cada vez mais frequentemente, conversando com torcedores de outros clubes, em prol de uma definição objetiva que elimine por completo a vagueza no campo das discussões sobre esse tema. Multiplicam-se ranking oficiais e extra oficiais com os quais se estabelecem critérios fechados, perfeitamente controláveis, passíveis de manipulação estatística e registro.

Mas quem costumeiramente se interessa por tais definições? Ora, não há dúvida de tais ranking e critérios são interessantes e úteis em muitas situações, não se trata de condená-los abstratamente, mas de observar, por trás da injunção e da pseudo-objetividade que os solicitam, o ressentimento.

A vagueza é o espaço não só da arbitrariedade, onde cada torcedor elege subjetivamente seus próprios critérios, mas também do simbólico, do que não se deixa agarrar pelas estatísticas e pelas formas de controle e registro. Quando os torcedores adversários constatam que, a despeito das conquistas de seus clubes, o peso de certos fatores acaba gerando disposições e tendências contrárias à aparente importância de seus clubes, parece que disso redunda um protecionismo que ganha expressão nessa tentativa de purificar os critérios.

O peso da maior torcida do sudeste (região bem provida financeiramente) produz efeitos quase inevitáveis na lógica de funcionamento de setores ligados à renda com publicidade. Por consequência, programações televisivas, matérias jornalísticas, grande parte do material produzido nos meios de comunicação (impresso, televisivo) acaba pautado por essa disposição a capturar um público numeroso e de poder aquisitivo substancial. A lógica do capitalismo não casa com a maneira como outros torcedores definem a importância do seus clubes. Sem falar de aspectos ligados à dimensão da torcida, de episódios e acontecimentos históricos que ajudaram a forjar a imagem do clube e sua mística.

Porém, primeiro, antes de atingir o ponto em que o poder corinthiano deforma o campo de forças econômicas, políticas e simbólicas, deu-se a formação inexplicável da torcida e da dimensão do seu peso simbólico que hoje distorce e faz vergar em seu favor esse mesmo campo. Sobre isso, restam explicações, todas muito interessantes, mas nenhuma satisfatória e definitiva, pois esse não é o espaço para a objetividade das estatísticas, dos números, mas o domínio do inexplicável que constitui, não a exceção, mas a regra do futebol — como da vida.

Por fim, o que alimenta o anticorinthianismo, bem como o ímpeto a engessar os critérios para definição dos grandes times, é o mal-estar diante da vagueza, da aparente falta de sentido da formação e sedimentação das forças simbólicas no futebol. Eles representam a tentativa de conjurar tais manifestações “subjetivas”, de eliminar ou reduzir seu papel na avaliação dos clubes e de sua história. Por isso mesmo, são forças de ressentimento, empobrecedoras, esvaziantes. Tentam calar a pluralidade impondo, em nome da sempre desejável objetividade racional, um quadro fixo de critério que lhes parece garantir a segurança de que não serão fraudados por fatores invisíveis, incontrolados. O anticorinthiano nasce pelas mesmas razões que nasce o sentimento cristão diante da vida, a exigência de sentido que ainda pesa sobre nós como um peso insuportável, e que não é senão o atestado de que não somos fortes o bastante para suportar uma vida cujos desdobramentos e consequências escapam ao nosso controle e domínio. Antes, preferimos forjar ilusões e nelas nos abrigar, a fim de nos proteger desse inimigo poderoso e invisível: o inexplicável. Inimigo contra o qual nem todos os títulos de Mundial Interclubes e Libertadores são suficientes.

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