Deleuze: a vontade de potência e os fracos

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Num livro que reúne textos os mais diversos, A ilha deserta, Deleuze comenta a apropriação da vontade de potência pelos fracos e degeneração do seu sentido original. O título do texto é “Conclusões sobre a vontade de potência e o eterno retorno”.

[Sobre a vontade de potência] Não se trata de um desejo de dominar, pois como, o que é dominante, poderia desejar dominar? Zaratustra diz: “Desejo de dominar, mas quem poderia chamar isso de desejo?”. A vontade de potência não é uma vontade que quer a potência ou que deseja dominar. Com efeito, uma tal interpretação apresentaria dois inconvenientes. Se a vontade de potência significasse querer a potência, ela, evidentemente, dependeria dos valores estabelecidos, honrarias, dinheiro, poder social, pois esses valores determinam a atribuição e recognição da potência como objeto de desejo e de vontade. E a vontade que quisesse uma tal potência somente a obteria lançando-se numa luta ou num combate. Ademais, perguntemos: quem quer a potência dessa maneira? quem deseja dominar? Precisamente aqueles que Nietzsche chama de escravos, fracos. Querer a potência é a imagem que os impotentes constroem para si da vontade de potência. Nietzsche sempre viu na luta, no combate, um meio de seleção, mas que funcionava a contrapelo, e que redundava em benefício dos escravos e do rebanho. Entre as mais bombásticas palavras de Nietzsche encontramos: “tem-se sempre que defender os fortes contra os fracos”. Sem dúvida, no desejo de dominar, na imagem que impotentes constroem para si da vontade de potência, reencontra-se ainda uma vontade de potência: porém, no mais baixo grau. A vontade de potência, em seu mais elevado grau, sob sua forma intensa ou intensiva, não consiste em cobiçar e nem mesmo em tomar, mas em dar e em criar. Seu verdadeiro nome, diz Zaratustra, é a virtude que dá. E que a máscara seja o mais belo dom, isso dá testemunho da vontade de potência como força plástica, como a mais elevada potência da arte.

Gilles Deleuze, A ilha deserta

A pergunta “quem?”, Lebrun enfatizava, era um expediente tipicamente nietzschiano, que fazia ruir as pretensões universais dos que impunhavam seus valores. E é contra essa pretensão e fixidez de valores que Nietzsche pensava uma vontade de potência entendida como criação, transformação. No sentido inverso do dominação, que não pode ser outra coisa senão a aceitação dos valores vigentes.

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