O calor dos outros

O

Diziam-me que só tinha importância pintar. Que era necessário, até por higiene da alma, prescindir das mulheres, dos amigos e do dinheiro, desinteressar-se de paisagens e de oceanos, não aceder nunca, não tomar a sério o sem sentido de um mundo, de uma vida que eu não fiz, que me foram impostos, que estão aí, do lado de fora e do lado de dentro, implacáveis a cada despertar, sem que ninguém haja tido a cortesia de me consultar, de me pedir opinião, pelo menos, sobre algum detalhe pequenino e, na aparência, não importante.

Flávio Moreira da Costa definiu Onetti como um lobo solitário que através da obsessão de escrever busca o calor dos outros. O distanciamento é quase sempre a marca da genialidade, como outrora, na Grécia, a bílis negra (melancolia) distinguia os grandes homens. A escrita e a obra do gênio restituem os vínculos com a sociedade — com a alteridade. Indiretamente, é claro, como uma espécie de sublimação. No final das contas, a ruptura é insuperável.

Mas o que resta ao homem comum, sem gênio e sem obra? Que expediente refaz os elos desfeitos, preenche o espaço vazio que separa a alcateia solitária do continente, do mundo?

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