Apressado, esqueci de mencionar o trecho seguinte ao parágrafo que citei no post anterior. A ponte entre a filosofia da ciência e a política se desenha ali com maior nitidez. É um pensamento mordaz, extremamente estimulante e profícuo. Eu gosto especialmente da ideia de que o fluxo do trabalho científico se realiza não como mero efeito de um encadeamento lógico, mas pela ação de causas externas ao domínio da argumentação. Entendam esse trecho como uma continuidade do texto anterior.
O ensino e a defesa dos padrões jamais consistem apenas em colocá-los diante do espírito do estudioso, buscando torná-los tão claros quanto possível. Admite-se que os padrões encerrem também a máxima eficácia causal. Isso torna extremamente difícil distinguir entre força lógica e efeito material de um argumento. Assim como um animal bem adestrado obedecerá ao dono, por maior que seja a perplexidade em que se encontre e por maior que seja a necessidade de adotar novos padrões de comportamento, assim também o racionalista convicto se curvará à imagem mental de seu mestre, manter-se-á fiel aos padrões de argumentação que lhe foram transmitidos e aceitará esses padrões, por maior que seja a perplexidade em que se encontre, mostrando-se incapaz de compreender que a ‘voz da razão’ a que dá ouvidos é apenas o efeito causal tardio do treinamento que recebeu. Não está em condições de descobrir que o apelo à razão, diante do qual tão prontamente sucumbe, nada mais é que manobra política.
Paul Feyerabend, Contra o método [os destaques em negritos são meus]