Semanas atrás desocupamos uma sala do Mestrado para reformas. Lá havia 4 ou 5 computadores velhos e eu prontamente sugeri que instalássemos neles o Ubuntu. Logo os brincalhões me acusaram de estar evangelizando em favor do Linux. A disputa Windows versus Linux não é um Fla-Flu, escolher o Linux é adotar uma política de uso e desenvolvimento de tecnologia. No entanto, ao contrário do Windows, o Linux não tem receita para bancar dispendiosas campanhas publicitárias. Aliás, o termo “Linux” não revela a diversidade das distribuições e desenvolvedores de sistemas linux based — um dos grandes trunfos da plataforma. Deixemos isso de lado — o que dizer é que a guerra que se manifesta em centenas de tirinhas de humor internet afora, além da divulgação que fazemos pontualmente, é uma estratégia de baixo custo para promover o Linux, na medida em que ele se apresenta como resposta a certas inconveniências do Windows.
Todos sabem, por exemplo, que a reinstalação do Windows é uma exigência sistêmica. O acúmulo de informações no registro, a fragmentação do disco, além dos arquivos órfãos deixados por outros programas entulham o sistema até deixá-lo insuportavelmente lento. Claro, esse tipo de comportamento varia a depender do conhecimento do usuário e da configuração da máquina, mas em grande parte dos casos e nas máquinas de gente comum, essa é uma verdade inegável.
Agora pensem outro aspecto: quem já trabalhou no setor público — e olha que o problema nem sempre se restringe ao setor público — conhece a costumeira morosidade com que os pedidos de suporte são atendidos. A demora se deve a muitos fatores, mas a incidência de problemas é grande. Considerando a reinstalação sistêmica e as centenas de casos relativos a vírus, worms e trojans, o custo em tempo para contornar tais obstáculos é incomensurável. Quem já trabalhou no setor público sabe também que nada pode ser pirateado, portanto, cada nova instalação exige a presença da equipe do suporte que controla a licença do Sistema Operacional, do suite de escritório (MS Office), do antivírus e eventualmente de algum programa específico usado pelo setor. Custo dobrado, tempo e dinheiro gasto em licenças que raramente são o bastante para evitar os problemas mais comuns. Trabalhei na SAEB (Secretaria da Administração do Estado da Bahia) e na Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A) e todos os computadores aos quais tive acesso não traziam nenhuma política de níveis de usuário (para permissões de acesso), isto quer dizer que eu estava livre para instalar o que bem entendesse (o Windows, por definição, permite que o usuário tenha pleno acesso ao sistema). Isso me permitia dar suporte aos computadores ligados ao meu setor — e às vezes até em setores não ligados ao meu — pois todos conheciam a já afamada morosidade do CPD (coitados dos funcionários do CPD, vítimas da obsolência e da lentidão estatal, completamente incompatíveis com a profissão que exercem). Mas ao mesmo tempo era um risco: um simples keylogger é o quanto basta para fazer de um computador mal configurado uma arma terrível. Até senhas de bancos podem ser capturadas.
O ilustre reitor da UFBA, Naomar de Almeida Filho, escreveu um excelente artigo para a Folha em que destaca o engessamento da Universidade Pública no Brasil. O aparato normativo impede que respostas adaptativas mais precisas sejam criadas e congela o comportamento das Universidades em torno de práticas frequentemente dispendiosas que poderiam ser evitadas. A política de uso de software é uma amarra voluntária, exemplo dessa espécie de travamento que obstrui novas soluções. O uso de software livre talvez não se aplique a todos os casos — aqui me falta uma visão mais detalhada, de profissional da área, para avaliar o cenário de forma mais detida — mas é certo que na maioria dos computadores para acesso direto dos estudantes o emprego de software livre resolveria problemas comuns de segurança e manutenção. Nada de gastos com licenças de Sistema Operacional, suites de escritório, antivírus, nada de problemas de segurança, ameaça de keyloggers, trojans, e, especialmente, uma diminuição significativa no número de ocorrências de manutenção. Um computador ligado a internet, com o pacote OpenOffice (ou BrOffice) já preinstalado, programa de tratamento de Imagens (o excelente Gimp) incluso e muitas outras ferramentas integradas sem qualquer custo, é mais do que suficiente para o estudante realizar as tarefas que lhe cabem. Tudo isso rodando num usuário sem privilégio (no Linux isso é trivial, já que só tem poderes para alterar os arquivos do sistema o usuário root ou algum usuário que por ventura receba dele permissões). Imagine o quanto poderia ser economizado em tempo e dinheiro se cada computador voltado para navegação e uso de escritório pudesse rodar um sistema linux? Escolas no interior do país, que por vezes não contam com equipes de suporte e que não estão menos vulneráveis a vírus, worms e programas maliciosos de toda natureza; programas que, em questão de minutos, impossibilitam ou tornam o uso de um computador inviável. Na ausência de profissionais ou de gente competente para realizar a manutenção, um simples vírus pode ser a diferença entre ter ou não um computador dentro de uma escola, para uso dos alunos ou mesmo para fins administrativos. Vale lembrar: ter um antivírus não significa não ter vírus: no Windows não ter vírus depende, em primeiro lugar, de certos cuidados na navegação. Depois, manter um antivírus exige uma conexão direta ou uma atenção para as atualizações que saem diariamente. Pensemos esses problemas em escala nacional e então teremos a dimensão da encrenca.
Não esqueçamos também que o software proprietário vem amarrado a uma estratégia de venda de hardware. Os computadores velhos do Mestrado não podem receber o Windows Vista — a versão mais nova do sistema operacional da Microsoft — pois não cumprem os requisitos mínimos exigidos pelo sistema. O Windows XP é mais acessível, mas não se sabe ao certo até quando as atualizações de segurança acontecerão, nem se ele ainda é vendido. O ritmo de desenvolvimento do Windows exige constante upgrade de hardware, para nosso Estado burocrático e “pobre”, é custoso acompanhar esse pique. Ponto para as dezenas de distribuições linux que rodam mesmo nas máquinas mais obsoletas.
Na Bahia já foi assinado um protocolo de intenções entre o Governo do Estado e a Red Hat (lembremos que as desenvolvedoras podem cobrar pelo suporte corporativo, ou para desenvolvimento de softwares específicos, salvo engano, o que dá ao governo, no caso de necessidade, um suporte logístico). No Rio Grande do Sul o linux já é uma realidade há tempos. Mas a política do medo ainda impera quando se fala em Linux. Ou melhor, a política do FUD. Puro terrorismo: a base de operação é semelhante a do Windows, vejam o menu do Ubuntu, numa tela que capturei do meu próprio computador:
Um menu, como o do Windows, e submenus que categorizam os aplicativos de acordo com suas áreas — o que é muito mais do que o Windows faz. Na seção Internet, navegadores, programas mensageiros, skype, etc. Players de áudio e vídeo em Sound and Video. Em Office, programas do pacote OpenOffice/BrOffice. E assim por diante. Que mistério há nisso? Que mistério há nisso quando você é apenas um usuário — um estudante — querendo usar um computador para acessar internet ou para digitar um trabalho? Por que pagar tanto, gastar tanto, quando precisamos de tão pouco?
(O sistema operacional do Google, o gOS, não é uma aposta de que a computação de agora em diante será basicamente interligada a serviços e aplicativos online? Aliás, o gOS é linux based. E a computação em nuvens? Não é uma expressão desse movimento, vejam os dizeres na página do gOS, anunciando o Cloud: “With Cloud, you can turn on your computer to just a web browser”. Vejo em tudo isso uma boa oportunidade para abertura e desenvolvimento do software livre).
A migração, quando envolve rede e um sistema inteiro de computadores, é coisa gradativa. Requer muitas etapas. Mesmo que seja a migração de apenas um computador, do Windows pro Linux, convém ler um excelente relato da transição de uma rede inteira, na Câmara de Timóteo. É uma leitura indispensável para quem pretende migrar para o linux, sobretudo porque desfaz os medos, os mitos, mas também porque é realista e exige o realismo. Não coloca o linux como a panacéia dos problemas de segurança, suporte, mas como uma política bem fundamentada de uso de tecnologia, que tem seus prós e contras e que exige uma aposta e um esforço numa certa prática que vai contra o “hábito Windows” por um objetivo válido.
Perdoem o post longo e algo disperso, mas há tempos eu devia um texto dessa natureza. O objetivo é menos esgotar o tema do que registrar que o “caso Linux” é mais do que mero jogo, é questão que envolve políticas públicas de uso de tecnologia, uma solução possível para muitos problemas comuns e incômodos.