Mesmo aquilo que é ruim, aquilo não é bom, pode tornar-se familiar, de tal sorte que nos custe muito mudar. Isso quer dizer que potencialmente podemos nos acostumar a qualquer situação, por pior que ela seja. A dificuldade de mudar de pele consiste precisamente nisso: recusamos mesmo o bom quando não o reconhecemos como familiar, e voltamos aos velhos hábitos. Mudar é adaptar-se à instabilidade...
Vender pros outros?
Tudo podemos vender pros outros. Vendemos nossas relações mais íntimas, nosso amor, os livros e as coisas que a gente lê, aquilo que ouvimos, o que vemos no cinema, o que cozinhamos e aquilo que consumimos em restaurantes, tudo pode ser publicizado, pode ser transformado em capital simbólico por meio de uma exposição publicada em qualquer rede social. Não é preciso ter milhões de seguidores para...
A vergonha e o orgulho de ser anarquista
Sou um anarquista ignorante e envergonhado. Ignorante porque não li absolutamente nada, não li Proudhon, Bakunin, li parcialmente Kropotkin. Sou anarquista em razão especialmente de Carlos Taibo, do seu pensamento e da sua ação a respeito do decrescimento econômico. De Carlos Taibo para David Graeber e outros perigosos anarquistas foi um pulo. Sou um anarquista envergonhado porque, apesar dessas...
A amizade é um espaço de experimentação
É difícil se desvencilhar da tendência a imitar e repetir, ou seja, é difícil descobrir quem se é quando tudo nos empurra a ser como os outros. A amizade é um espaço de experimentação. Enquanto em outros ambientes, e mesmo em torno da família, estamos seguindo papéis e obedecendo o que se espera de nós, a amizade cria um campo inédito onde paulatinamente nos sentimos à vontade para ser quem nós...
Foder um buraco
Certa feita estávamos eu e Jana comendo pizza na rua, quando notamos um cara sentado num banco da praça olhando para a tela de um celular e deslizando o dedo enlouquecidamente para a direita. Era um aplicativo para gays, porque nela só havia homens. O sujeito nem olhava a cara das pessoas, ele só queria foder. “Caiu na rede é peixe”, era o seu lema. Muito tempo depois eu pensei que...
O ativismo é uma praga
Minha opinião apressada é que há muito tempo não há nada, ou quase nada, de interessante no pensamento político que vem dos EUA (com notáveis e importantes exceções). Não me levem a mal, eu acho que há coisas interessantes em sua história, mas faz tempo a importância cultural dos EUA produz uma perniciosa universalização das formas de ação política deles. Ou pelo menos essa é a impressão que eu...
Ruído ou conversa
Nós estamos conectados 24/7, podemos sempre falar uns com os outros. Antes, estávamos distantes. Quando Luiz Gonzaga conta que voltou à casa sem anunciar seu retorno, 16 anos depois de ter saído, é como se falasse sobre outro mundo. Agora estamos tão próximos e não sabemos o que dizer, tudo soa ruído, nunca conversa. Somos mais um estímulo visual inútil uns para os outros, mas nunca presença e...
Brinquedo de encaixar: a sexualidade de Bella Baxter
Resenha de Poor Things, de Yargos Lanthimos Não sei como nem por quê, mas em minha casa havia o exemplar de um maravilhoso livro chamado “Relatório Hite”, e eu o li quando tinha pouco mais de 12 anos. Fiquei completamente fascinado pelos relatos de como as mulheres se masturbavam, era tão fácil e acontecia nos mais inusitados lugares. Depois, mais velho, conheci as histórias sobre...
Amizade entre homens e mulheres
Quando eu era adolescente os meus amigos insistiam em dizer que não existe amizade entre homens e mulheres. E ainda hoje essa parece ser uma ideia largamente aceita. O maior obstáculo à amizade entre homens e mulheres, ontem e hoje, é o desejo e a possibilidade do desejo. É como se as pessoas pensassem que o desejo envenena a autenticidade da amizade, como se a amizade fosse impossível onde...
O efêmero e o encontro
Nós temos um medo do efêmero, do passageiro, daquilo que chega e logo parte, que nos faz buscar com frequência o estável, o duradouro, o permanente. Especialmente nas relações pessoais. E é curioso que às vezes aquilo que a gente mais conhece e estima a respeito das relações entre seres humanos pode se definir em questão de minutos: em 30 ou 50 minutos, em 2 horas, quem sabe? Certos encontros nos...