Wittgenstein em Lecture on Ethics:
Now instead of saying “Ethics is the enquiry into what is good” I could have said Ethics is the enquiry into what is valuable, or, into what is really important, or I could have said Ethics is the enquiry into the meaning of life, or into what makes life worth living, or into the right way of living. I believe if you look at all these phrases you will get a rough idea as to what it is that Ethics is concerned with.
Wittgenstein, Lecture on Ethics (grifos meus)
Now the first thing that strikes one about all these expressions is that each of them is actually used in two very different senses. I will call them the trivial or relative sense on the one hand and the ethical or absolute sense on the other. If for instance I say that this is a good chair this means that the chair serves a certain predetermined purpose and the word good here has only meaning so far as this purpose has been previously fixed upon. In fact the word good in the relative sense simply means coming up to a certain predetermined standard. Thus when we say that this man is a good pianist we mean that he can play pieces of a certain degree of difficulty with a certain degree of dexterity. And similarly if I say that it is important for me not to catch cold I mean that catching a cold produces certain describable disturbances in my life and if I say that this is the right road I mean that it’s the right road relative to a certain goal.
Used in this way these expressions don’t present any difficult or deep problems. But this is not how Ethics uses them. Supposing that I could play tennis and one of you saw me playing and said “Well, you play pretty badly” and suppose I answered “I know, I’m playing pretty badly but I don’t want to play any better,” all the other man could say would be “Ah, then that’s all right.” But suppose I had told one of you a preposterous lie and he came up to me and said, “You’re behaving like a beast” and then I were to say “I know I behave badly, but then I don’t want to behave any better,” could he then say “Ah, then that’s all right”? Certainly not; he would say “Well, you ought to want to behave better.” Here you have an absolute judgment of value, whereas the first instance was one of relative judgment.
The essence of this difference seems to be obviously this: Every judgment of relative value is a mere statement of facts and can therefore be put in such a form that it loses all the appearance of a judgment of value: Instead of saying “This is the right way to Granchester,” I could equally well have said, “This is the right way you have to go if you want to get to Granchester in the shortest time”; “This man is a good runner” simply means that he runs a certain number of miles in a certain number of minutes, etc.
Se a distinção é válida, devemos dizer que os juízos de valor tem o mesmo comportamento que os juízos éticos — exigem termos pré-fixados sem os quais suas sentenças caem no vazio de posições absolutas.
Lebrun, em “Por que ler Nietzsche, hoje?”:
Nietzsche diletante? Sem dúvida aos olhos dos “bons e dos justos”, dos que se fiam na fixidez dos valores. — “Diletantismo”: Nietzsche começaria pondo essa palavra entre aspas (nada mais importante do que o uso das aspas para o filólogo) — e perguntaria: quem fala? e essa opinião é encarregada de privilegiar que gênero de vida? qual é, então, a avaliação que sorrateiramente inflete o uso da palavra? — Ora, quando os “bons e os justos”, orgulhosos de suas “convicções” e confiantes em seus “valores”, censuram o diletantismo (ou o ceticismo, ou o imoralismo …), eles não atentam à palavra que empregam, não suspeitam que essa palavra pejorativa implica todo o sistema de valorizações que é o seu próprio. (…) O que os homens mais facilmente esquecem é que, a todo instante, defendem o seu “território” animal. Quer se fale profissional, filosófica, sentimental, cientificamente — sempre se acredita, em algum momento, fazer referência a normas que valem para todos, a conceitos que têm o mesmo sentido para todos (e os nossos ideais “democráticos”, “igualitários”, assim como a nossa civilização burocratizada, levaram esta ilusão grega ao auge)
Gérard Lebrun, Passeios ao léu (em negrito, grifos meus)
Eis alguns aspectos que escaparam à Torre de Marfim no debate com o Hermenauta sobre o infanticídio.
Antes de mais nada, uma nota: há uma maneira muito conveniente de argumentar que simplesmente afasta as questões de um terreno no qual as posições exigem fundamento, ela se expressa na seguinte formulação: “Contudo, por meio de estratégias discursivas, esforçam-se para impor sua cultura de morte às demais culturas” — recurso semelhante aquele que classifica como “semânticos” certos modos de organizar problemas. Fácil argumentar por predicação, preterindo o debate e reivindicando a ignorância do público como condição para anuência; difícil é entender que certas abordagens se localizam numa etapa anterior a própria apresentação do problema, definindo em que condições ele pode ou não ter sentido. É o que fazem Wittgenstein e Lebrun acima.
Pode parecer paradoxal, mas estou mais inclinado a aceitar a idéia de uma supremacia do Ocidente do que o contrário. No entanto, a propriedade do uso de valores tais como superior ou inferior depende do acordo sobre quais sejam os predetermined purposes que devem governar uma organização social. O que parece inaceitável é a leitura dos eventos de uma sociedade regida por princípios específicos sob as lentes de outros princípios que se querem hegemônicos e/ou universais. O “relativismo cultural” dá nome ao dispositivo que nos protege de posições absolutas, que solicita o diálogo como condição para se aceitar padrões de qualquer natureza. Para mim o infanticídio é inaceitável, mas essa é uma opinião que já traz a coerência de todo um sistema de valores que me é próprio — minha posição, um produto, um derivado. Se se fizer coincidir o humano com as postulações da Declaração de direitos humanos, é natural que se tome por inumanas as práticas indígenas. Cada um dos sistemas é resultado de operações diversas, que contemplam propósitos diferentes e diferentes modos de operação. É de se esperar que se pretenda estender aos índios aquilo que achamos justo e bom (ou superior), se isso não fosse desejável ou mesmo imperativo, estaríamos atestando a debilidade dos nossos princípios — do mesmo modo a Igreja anseia que seus valores e ideias orientem a sociedade, como no caso das pesquisas com células-tronco. Mas esse processo de transição deve se realizar com diálogo, tolerância e flexibilidade, através do convencimento, do reforço, e não da imposição. Se pudermos fazê-los enxergar que os propósitos e os meios de nossa sociedade “superior” são preferíveis, a adesão será inevitável, mas não podemos entender essa superioridade senão como uma relação entre os propósitos que estabelecemos e os meios de que dispomos, e não como uma qualidade que nos torna mais humanos. Isso, é claro, se não quisermos cometer o equívoco de justificar nossas escolhas afirmando que elas são mais humanas.
Por mais que soe cruel, as práticas indígenas e a opinião de que as formas de organização social do Ocidente são preferíveis não se excluem, nem mesmo se tocam, porque resultam de elementos diversos, de esquemas diferentes de pensamento, que não poderiam, obviamente, produzir o mesmo resultado. Portanto o debate sobre essa questão deveria ter origem nas estratégias de convencimento, nos meios de persuasão e não na condenação inflexível que não compreende a configuração dos próprios valores. Para encerrar, vamos voltar a uma posição de Wittgenstein aparentemente polêmica:
Let me explain this: Suppose one of you were an omniscient person and therefore knew all the movements of all the bodies in the world dead or alive and that he also knew all the states of mind of all human beings that ever lived, and suppose this man wrote all he knew in a big book, then this book would contain the whole description of the world; and what I want to say is, that this book would contain nothing that we would call an ethical judgment or anything that would logically imply such a judgment. It would of course contain all relative judgments of value and all true scientific propositions and in fact all true propositions that can be made. But all the facts described would, as it were, stand on the same level and in the same way all propositions stand on the same level. There are no propositions which, in any absolute sense, are sublime, important, or trivial.
Wittgenstein, Lecture on Ethics (grifos meus)
Now perhaps some of you will agree to that and be reminded of Hamlet’s words: “Nothing is either good or bad, but thinking makes it so.” But this again could lead to a misunderstanding. What Hamlet says seems to imply that good and bad, though not qualities of the world outside us, are attributes to our states of mind. But what I mean is that a state of mind, so far as we mean by that a fact which we can describe, is in no ethical sense good or bad. If for instance in our world-book we read the description of a murder with all its details physical and psychological, the mere description of these facts will contain nothing which we could call an ethical proposition. The murder will be on exactly the same level as any other event, for instance the falling of a stone. Certainly the reading of description might cause us pain or rage or any other emotion, or we might read about the pain or rage caused by this murder in other people when they have heard of it, but there will simply be facts, facts, and facts but no Ethics.