A Melancolia de Durër
Encontrei o blog de Antônio Cícero, o que não pode deixar de ser algo interessante. Ele compila por lá escritos seus e de outros autores. Já no começo achei o texto de Inês Pedrosa, O império do anticonvencional — muito interessante! Ele me recordou uma nota mental: não é de hoje eu que sou da opinião de que o riso, a alegria, a felicidade, enfim, todos os sentimentos positivos ganharam o estatuto de títulos. Documentam quase sempre o desejo de externar uma incapacidade para o sofrimento, a tristeza, o mau humor. Há alguma coisa intrigante nesse desejo: ele parece ignorar que o sentido desses sentimentos se constitui pela diferença — como Goethe nos lembra: Alles in der Welt lässt sich ertragen, Nur nicht eine Reihe von schönen Tagen [Tudo no mundo admite-se, menos uma sucessão de dias bonitos]. Freud também já havia destacado o papel econômico dos obstáculos na vida mental (e eu jurava ter publicado por aqui a frase de Goethe e a nota de Freud):
É fácil mostrar que o valor que a mente atribui às necessidades eróticas se afunda instantaneamente logo que a satisfação se torna facilmente obtenível. Algum obstáculo é necessário para impelir a maré da libido ao seu máximo.
É uma nota brilhante de alguém cuja sensibilidade para operação da psique não se iguala. Esse império do riso, ou de uma modalidade de humor, é algo que desafia o próprio funcionamento da mente. Essa incapacidade para a tristeza, para o sofrimento, é uma espécie de atestado de indiferença — que jamais pode abranger a totalidade simbólica da vida. Além de ser uma contraposição estética de uma corrente que, desde os gregos, entende os pontos sombrios da alma como indicadores de gênio e capacidade artística (como lembra Kristeva, a bílis negra — melaina kole –, que determina os grandes homens, conforme texto atribuído a Aristóteles). Não é preciso ir longe, Vinicius fazia notar, em Samba da benção, o papel que cumpre a tristeza da verve artística. E quantos grandes homens não tiveram a alma pertubada pela aflição? Isso não é um panfleto em favor da obscuridade, mas o reconhecimento de que a vida se articula nesse ciclo incessante entre a alegria e o sofrimento. Diante disso, a estagnação que marca os impérios de humor só pode ser um inegável sintoma neurótico. Traduzido em experiências de grupo, deu origem a esses ritos sociais que exigem o estado de pleno contentamento — inacessível a dor. Para mim, em suma, esse é mais um símbolo do esforço fracassado do homem para conjurar da sua vida a contingência e para exaltar a segurança. Não há nada mais seguro do que o ritmo monocórdico, regular. Ou talvez exista outra explicação:
Subentende-se que o riso é, por si só, uma forma sofisticada de inteligência – e toda a gente se ri de tudo, o tempo inteiro.
Mas isso aqui é só uma anotação vaga e incindental, inspirada pelo texto.
Atualização: Esse fragmento de Congreso en Estocolmo tem uma importante relação com o texto
“Si en algún sentido la vida es absolutamente justa, es en el hecho de
que cada hombre o mujer solamente es capaz de gozar hasta el límite en
que es capaz de sufrir… Resulta una justicia muy extraña e
incomprensible, porque la vida nunca deja de producir sufrimiento y, en
cambio, no siempre ofrece gozos. Pero es absolutamente justo. Aunque no
haga más que padecer, sin una solo alegría, en el mero hecho de tener
talla bastante para sufrir así, ya está la compensación dada y la
justicia hecha”. — Miguel Espejo en Congreso en Estocolmo, de Jose Luis
Sampedro),