Do seguidor devoto para o mestre Olavo

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O “filósofo” Olavo de Carvalho concedeu um pouco de seu tempo a este humilde espaço. Em Dória Vigaristinha e seu devoto seguidor fui posto na condição de seguidor de Pedro Doria. A admiração confessa que tenho pelo trabalho de Pedro Doria e pelas suas opiniões não deixariam espaço senão para a lisonja, caso fossem verdadeiras as razões trazidas para sustentar essa posição. Infelizmente não coube a Pedro o gesto inaugural que animou o movimento para desmascarar a “lógica primária” que contamina os textos do mestre Olavo.

Primeiro, os misteres que convêm a um diálogo com Olavo, isto é, os argumentos ad hominem. É de se estranhar que um sujeito notoriamente conhecido pela sua charlatanice, desprestigiado nos meios acadêmicos da área a qual se diz pertencer, precise primeiro reconhecer a autoridade do seu interlocutor para depois respondê-lo. Se Pedro pode ser reduzido a caricatura esboçada no texto, ora, o que dizer do próprio Olavo? O que deveríamos apontar como sua “maior realização”? Pergunta capciosa, não? Se fosse verdade o que ele diz de Pedro, esse imbróglio refletiria fielmente a expressão “um torto falando do aleijado”. Mas o apelo à caricatura só interessa a Olavo, para quem falta competência argumentativa. (A investigação preliminar que ele faz do seu interlocutor é ameaçadora, aguardamos revelações bombásticas)

Curioso é que, a bem dizer, meu ânimo para escrever o texto ao qual ele se refere começou por um desacordo. Embora o fato de ele nunca ter ensinado numa Universidade de renome seja um bom indicador, eu disse, ele não toca o essencial: Olavo é um filósofo ruim. Em outras palavras, não era o fato de ele nunca ter ensinado numa Universidade de renome que testemunhava contra ele, é a inconsistência que o denuncia, a precariedade das suas ideias — contaminadas por um apelo quase infantil ao insulto, ao ad hominem. Ler Olavo de Carvalho se explica pela mesma razão pela qual alguém assiste o vídeo de um acidente de trânsito, é o desejo de sangue, a mórbida vontade de saber quem será a próxima vítima. Neste episódio, eu e “Dória” cumprimos tal função. Eu, mortal, em cujo currículo não consta nenhuma realização comparável a descoberta de Bruna Surfistinha, posso, por isso mesmo, chafurdar na lama e responder à altura as sujeiras de Olavo. Coisa que dificilmente ocorrerá com qualquer pessoa ocupada. Só mesmo um irresponsável como eu para responder a Olavo de Carvalho — e o pior de tudo, eu me divirto, para alegria e contentamento dos meus amigos irresponsáveis que riem até estourar das brigas que compro por pura farra. Pesquei um peixão, vocês não acham?

Permitam que esse humilde vassalo faça o trabalho sujo de investigar a caca do nosso senil filósofo. Vamos até as suas palavras, ele nos diz:

Bernardes extasiado, acha que isso é uma demonstração científica irrefutável, porque não consegue distinguir entre método científico e fofoca de puteiro — Olavo continua mais adiante — Confiante no rigor exemplar das demonstrações dorianas, seu devoto exegeta proclama a minha total ignorância do método científico. Para maior ilustração da platéia, ele expõe em seguida um dos elementos essenciais do referido método tal como ele o concebe

E então cita a passagem em que faço um comentário, por alto, sobre como a noção de comunidade científica apresenta o conceito de “convenção” como necessário à objetividade do discurso científico. Este senhor se embanana todo, dá gosto de ver. Nem a pista inicial de Wittgenstein foi suficiente para ajudá-lo. Ele confunde minha apreciação com uma análise científica, apesar do meu esforço quase maçante em enfatizar que não há erro nas observações de Olavo. Apesar mesmo de eu ter ressaltado que seus textos beiram o esquizofrênico. Embora eu tenha registrado no próprio texto o perigo de recorrer à analogia do falsificacionismo dogmático:

Tá bem, não vou trilhar o perigoso caminho do falsificacionismo dogmático, quero apenas destacar um aspecto …

Olavo insistiu em interpretá-lo assim. Paciência!, não posso tomar nos meus ombros as deficiências alheias, vocês não concordam? A analogia veio servir ao propósito de sublinhar que cada sistema discursivo, mergulhado no interior de práticas humanas as mais diversas, dispõe uma estrutura complexa de refutação e verificação — algo inteiramente diverso dos axiomas e das premissas elementares da ciência, mas que partilha com ela um solo convencional comum. E é por que tudo começa numa convenção, num acordo — não do tipo ilustrado pela simplificação olaviana (a simplificação é sempre uma das suas armas favoritas):

A comunidade científica, portanto, é algo assim como um coletivo do MST, que, em assembléia, decide quais os enunciados científicos convenientes e inconvenientes aos seu projeto de “transformação do mundo”, aprovando os primeiros e rejeitando os segundos como barbaramente anticientíficos.

—, mas naquele implícito numa forma de julgar mais ou menos comum, em crenças gerais partilhadas, em certezas que orientam e possibilitam nossas práticas mais complexas, que é possível traçar uma analogia entre os sistemas discursivos como um sistema geral e a ciência como um caso particular. E é também por isso que é possível dizer que entre diversos sistemas não há erro, mas apenas modos diferentes de lidar com o mundo. Vejam, caros leitores, que sou quase uma mãe para Olavo e com que despeito ele me trata. Fui lá no mais profundo da filosofia da ciência, mobilizei argumentos empoeirados a fim de demovê-lo da condição de mero tagarela e ainda assim ele insiste em deturpar minhas palavras. E continua:

Bernardes não cita um único exemplo de descoberta científica efetuada por esse método.

Observem, além de escorregar em frente à placa de sinalização, ele ainda erra o caminho. A filosofia da ciência não está preocupada com o método em si (que cabe a ciência formular), mas com a teoria sobre o método, com a metodologia, assim Popper abre o segundo capítulo do livro que marcou o modo como tratamos a ciência (A lógica da pesquisa científica).

De acordo com proposta por mim feita anteriormente, a Epistemologia ou lógica da pesquisa científica deve ser identificada com a teoria do método científico.

Eu não estou preocupado em propor métodos, tampouco Popper ou qualquer outro filósofo da ciência estava, mas apenas em investigar se é possível estabelecer um “critério de demarcação” através do qual possamos distinguir enunciados científicos dos não-científicos. Aliás, pedir que se enuncie “um único exemplo de descoberta científica” é já atestar em cartório a absoluta ignorância acerca dos problemas que animaram os passos iniciais da filosofia da ciência — sobretudo a crítica a chamada Hume’s Fork. Propôr que um exemplo venha emprestar legitimidade a um método é demonstrar que não se entendeu nada do que disse Hume, e ignorar completamente tudo que escreveu Popper, Lakatos ou mesmo Kuhn (ou seja, o problema relativo à impossibilidade de que a experiência, e por consequência, a observação, funde o conhecimento). Vejam, meus amigos, eu não estou tratando do texto que escrevi — que fique claro — apenas desfazendo os equívocos que Olavo torna manifestos em seu texto, não apenas sobre a interpretação do meu próprio, mas de suas leituras equívocas sobre a ciência.

Para quem reconhece somente a autoridade — claro, eu não sou autoridade, apenas um devoto seguidor sem grandes realizações — e não tem a menor capacidade de argumentar considerando exclusivamente as relações internas ao texto, eu recomendo, a título de introdução, o texto de Lakatos publicado no site da London School o Economics, Science and Pseudoscience. Lá você vai encontrar um tratamento bem mais adequado dos problemas que eu nem mesmo abordei, mas apenas insinuei contando com uma inteligência que não foi tão generosa quanto a minha oferta. Mas ainda sim, um tratamento panôramico, como convém aqueles que ainda não sabe por onde andam.

Permitam que eu ressalte, uma vez mais, que meu propósito não era analisar cientificamente os pensamentos e palavras de Olavo, mas mostrar tão somente que suas idéias se descolam por completo do modo como habitualmente acolhemos e verificamos afirmações. Que tudo que era o bastante para sanar nossas dúvidas, o “filósofo” brasileiro enxergava como mero expediente mobilizado para esconder a verdade. Vejam se não se assemelha a um fragmento de Lakatos:

Is, then, Popper’s falsifiability criterion the solution to the problem of demarcating science from pseudoscience? No. For Popper’s criterion ignores the remarkable tenacity of scientific theories. Scientists have thick skins. They do not abandon a theory [merely] because facts contradict it. They normally either invent some rescue hypothesis to explain what they then call a mere anomaly and if they cannot explain the anomaly, they ignore it, and direct their attention to other problems. Note that scientists talk about anomalies, [recalcitrant instances,] and not refutations. History of science, of course, is full of accounts of how crucial experiments allegedly killed theories. (…) Had Popper ever asked a Newtonian scientist under what experimental conditions he would abandon Newtonian theory, some Newtonian scientists would have been exactly as nonplussed as are some Marxists.

Qualquer semelhança é mera coincidência. Se vocês querem saber como é contornado o problema da impossibilidade da falsificabilidade se constituir como critério de demarcação, leiam Popper, ou Lakatos, no texto sugerido. Enfim, tomei a analogia para mostrar como os usuários no interior de sistemas discursivos se comportam de maneira semelhante ao entendimento do falsificacionismo dogmático, eles precisam dizer under what experimental conditions they would abandon your theory. É o bastante! Mesmo para um desocupado irresponsável e de poucas ou nenhuma realização como eu há um limite para se ocupar com figuras como Olavo.

Para terminar, um registro: ao final, depois de se sentir humilhado pela minha presença e nacionalidade, ele sai em defesa do seu amigo morto. Diz que o defundo “era reconhecido como um dos maiores poetas do mundo por Jean Starobinsky, W. H. Auden, Geoffrey Hill, Giuseppe Ungaretti e Elizabeth Bishop”. Vacinado que fui contra a loucura, não tomarei parte de uma questão tão subjetiva, e nem mesmo é preciso. O que quer que tenham achados os ilustres mencionados acerca de Bruno Tolentino isso não muda o fato de ele não tem nem um décimo do prestígio, nessas terras, que gozam os objetos de suas risíveis acusações. E eu nem entrarei na briga de cumadre de indicar o reconhecimento que contam tais figuras na comunidade internacional, mesmo sem morar no estrangeiro. Mas afinal, qual é a difamação que pratiquei? O Bruno está lá, na Veja, para quem quiser e souber ler, achincalhando todas as pessoas de quem falei — assim como o próprio Olavo o faz. Inventei alguma mentira? Apenas expliquei seu comportamento sugerindo o ressentimento que ele compartilhava contigo, Olavo, por não ser reconhecido em sua própria terra. Ao menos ele poderia se gabar de ser reconhecido lá fora. Coisa que o pobre Olavo não pode fazer, pois vive dos adjetivos que cumpadres lançam sobre ele, quase como esmolas, desafiando todo o bom senso. (Em juízo ele nem mesmo poderia invocar seus amigos, de tão envolvidos que eles estão com a tarefa de pintar sobre a fachada da incompetência e do fracasso as cores do sucesso e da genialidade irreconhecida). Olavão parece incomodado com minhas realizações: paciência, mestre Olavo, paciência, a vida — oxalá — ainda me reserva muitos anos de produção certa e acurada. A juventude está a meu favor. Triste é vê-lo combater moinhos, berrando ensandecido contra qualquer um que lhe ofereça atenção, numa idade em que já não há muito a fazer se não se cultivou adequadamente as faculdades mentais. Na sua idade, eu garanto, terei mais o que dizer, não me limitarei ao conceito salafrário de “coletivo” que você articula como se estivesse empunhando o “cogito” cartesiano. Só mesmo a minha juventude explica que eu perca tempo respondendo suas palavras. Na sua idade, ao identificar um sujeito menor — assim como eu — sem grandes realizações, destinarei a ele o mesmo tratamento que dispensam a você todos os homens de grandes realizações nesse país: um silêncio abissal e uma profunda indiferença.

Peço desculpas a você Olavo pelo tom amargo e duro do texto, tentei temperá-lo com algum humor. É que já não vem de hoje esse desgosto com o modo como alguns argumentam e tratam personalidades tão importantes da nossa terra. Se você continuar comigo, logo logo farei uma leitura detida de um texto do Mainardi que é tão ruim quanto as coisas que você escreve. E não é só ruim, é sem sentido. Assim você não se sentirá tão só. Espere e verá!

2 comentários

  • Li alguma coisa desse tal Olavo.Até achei que tem algum sentido a defesa que ele faz de que a verdade possa advir do espírito individual.Acontece que ele escolheu a psicanálise para criticar, sem ele ter lido Freud.mas se leu me parece que não entendeu.Pergunto porque ele não critica a psiquiatria que é realmente a pseudo ciência?O que o senhor sabe sobre a história da psicopatologia sr Olavo?

  • Absolutamente nada.

    Se você quer o meu conselho, não perca seu tempo lendo Olavo. Ninguém que seja mininamente respeitado na comunicadade científica dá o menor crédito as coisas que ele escreve. Isso já é um bom indício da suas qualidades.

Por Leonardo Bernardes

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