Amizades mancas

A

Pra meu amigo Victor Aragão

Tenho a frequente impressão de que hoje em dia as amizades perderam parte substancial do seu todo. A imperiosa necessidade de evitar os confrontos (talvez, o encontro com o Outro) tem pretextado relações que mascaram um enorme abismo sob o fino véu de uma intimidade mal disfarçada, circunstancial e restrita. Como se, no fundo, as amizades tivessem também se contaminado com os receios que marcam as relações entre pais e filhos, produzindo assim amigos mimados, ansiosos por afagos mas inteiramente avessos a críticas. Ao meu ver, muito se perde com isso. Lembro, como se fosse hoje, a primeira vez que atinei para uma bronca que eu merecidamente levei de um amigo pelo descaso comigo mesmo e com minhas potencialidades — então enterradas na comodidade de uma condição financeira apenas razoável, mas suficiente para bancar meus caprichos juvenis. Daí em diante passei a exercer a mesma função. Não que antes eu tivesse me restringido ao papel de amigo fanfarrão, mas é certo que eu não havia notado o compromisso urgente que os amigos devem ter entre si — compromisso que os impele a situações que, em certas circunstâncias, podem sim produzir faíscas. Mas só os amigos têm a liberdade para agir assim!

Não quero senão os amigos dispostos a me dizer todas as verdades, os que prezam o confronto, pois eu mesmo já sofri indiretamente as consequências dessa situação, da ausência desse contexto de amizade em situações que ela teria ajudado também a mim. Na maior parte das vezes não prestamos a atenção devida aos nossos próprios gestos, nem adivinhamos seus resultados. Só os bons e prestimosos amigos podem reforçar as atitudes quando preciso e, especialmente, criticá-las quando necessário. A amizade não pode ser mais um ponto de reverberação da incondicionalidade costumeiramente encontrada no ambiente familiar, do contrário nos acharemos ameaçados pelo fantasma de uma auto-imagem de feições turvas, confusas. Amigos (e inimigos, repito) nos definem e não somente nos aceitam.

4 comentários

  • Xiiiii, Leo!!!!!!! Aff, saiu atirando pra todo lado mesmo! Não poupou ninguém? Tem certeza? Tem certeza mesmo, mesmo, mesmo????

    Bem, estou temporariamente sem net, mas mandei um email na quinta [que vc nem respondeu :(]

    Beijo, anjo, se cuida e dê sinal de vida.

  • Moni,

    Fui sugado pelo turbilhão de carnaval.. vi seu email mas mal tive tempo de respondê-lo. Desculpa! Agora estou expurgando meu corpo com um pouco de Handel na voz do Andreas Scholl.. daqui a pouco eu te respondo.

    Ó, o post não foi direcionado a ninguém. Sou muito chato pra admitir amigos desse tipo. Esse é um juízo que eu tenho há tempos, registrei assim subitamente porque me deu vontade. Saiu um texto sem graça, mas é que às vezes eu gosto de ter registradas certas ideias.. é incrível como eu esqueço delas. Agora, realmente se aplica a um sem número de casos.

    😀

    Beijos

  • Leonardo,
    longe de ser sem graça. Achii mesmo sensacional esse seu texto, preciso, corajoso. Esbarrei nele justo qdo vinha pensando coisas semelhantes, e acho que vc está coberto de razão. Se a gente não cuida, nossas amizades vão ficar igual programa de entrevista, em que todo mundo é lindo, maneiro, legal e fofo.
    Aquele Abraço.

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