A riqueza de um homem é proporcional ao número de coisas que ele pode deixar em paz.
Henry David Thoreau, Walden
Meu juízo é que a melhor maneira de honrar nossos antepassados é salvar o que há neles de melhor, isto é, é esforçar-se por pensar com honestidade, abertura e empenho sobre aquilo que é mais valioso em suas ideias, princípios e valores* — e conservar isso. O que há de verdadeiramente triste no incêndio do Museu Nacional é que ele é um sintoma da falta de compromisso com a nossa história, esse compromisso não apenas com a construção das tramas, com as designava Paul Veyne, mas principalmente com o dever de resgatar e conservar o que há melhor nos nossos antepassados. É o compromisso ético da história. Nós temos preferido importar o que há de pior na história dos outros a olhar para nossas próprias raízes com generosidade (sem falar no viralatismo). Por que não importamos da “America” as ideias de Thoreau? Porque elas já foram derrotadas, lá mesmo. O que triunfa hoje no mercado político (pelo menos do ponto de vista eleitoral), o que vende, é o nacionalismo, o individualismo, a competição, a desconfiança estimulada pela violência urbana e esse deixar-se convencer facilmente de que a fonte de todos os problemas é um inimigo, um Outro (o comunismo, o feminismo, o ateismo, os globalistas, eles). Portanto, basta encontrar o inimigo e combatê-lo, fácil assim. É fácil convencer o medo, não? O medo é uma pessoa influenciável.
* Embora a prática preceda a teoria — e em um sentido radical uma ética não possa ser ensinada —, o fazer e o agir da prática só pode se perpetuar nos valores e ideias, na teoria. Os atos terminam no instante em que termina o fazer. Mas esse fazer e esses atos podem inspirar outras práticas ao longo do tempo por meio dos valores e princípios de uma teoria, das ideias.