Como ilustre itaparicano, João Ubaldo endereçou crítica frontais à proposta de construção da ponte Salvador-Itaparica. Sua causa ganhou a simpatia de outras figuras ilustres como Chico Buarque, Cacá Diegues, Luis Fernando Veríssimo, entre outros. O caso virou briga familiar quando seu irmão mais novo, engenheiro da OAS, manifestou-se a favor da ponte. João Ubaldo tem o direito de estar ressentido com a classe política
As estatísticas são outro instrumento desses filibusteiros do progresso que em nosso meio abundam, entre concorrências públicas fajutas, superfaturamentos, jogadas imobiliárias e desvios de verbas.
mas não podemos perdoar a superficialidade dos seus argumentos. Aliás, por isso mesmo o governador classificou, num gesto político, talvez, precipitado, como besteirol a linha de argumentação do escritor.
João Ubaldo defende uma causa justa. Ninguém quer ver Itaparica exposta à sanha carniceira de empreteiros e empresários do setor imobiliário. Mas um dia, todos concordam, João Ubaldo há de morrer e a proteção da Ilha não pode estar atrelada à vigilância atenta do escritor. Daí que, embora sua causa seja justa e mesmo que a proposta de construção da ponte precise ser interditada, ele perdeu uma ótima oportunidade de transformar a questão numa discussão mais elevada sobre políticas de ocupação do solo.
Há décadas Salvador é saqueada pela especulação imobiliária sem que ninguém levante a voz para protestar contra as constantes agressões ao espaço público. O próprio Ubaldo admite em seu texto:
(…) que vem transformando as cidades brasileiras, inclusive e marcadamente Salvador, em agregados modernosos de condomínios e shoppings acuados pela violência criminosa que se alastra por onde quer que estejamos enfurnados, ilhas das quais só se sai de automóvel, entre avenidas áridas e desertas de gente.
Aliás, nesse domínio o único lance foi favorável aos exploradores: um Plano Diretor vergonhoso, aprovado na calada da noite, que endossa as práticas predatórias das empreiteras, elevando o gabarito dos edifícios em trechos antes limitados, dentre outras coisas. O problema envolvendo políticas de ocupação do solo não está nem mesmo restrito a Salvador, São Paulo também sofre com questões semelhantes.
Apesar das dificuldade de estabelecer políticas públicas eficientes e reguladoras dos diversos interesses envolvidos no uso do solo, é preciso privilegiar a via política (Itaparica tem menos de 100 mil habitantes, não é obrigada a ter um PDDU, mas a questão pode e precisa ser discutida). É preciso constituir mecanismos políticos e institucionais capazes de articular o desenvolvimento urbano e comercial responsável, aos interesses de preservação ambiental, cultural, de uma região rica em beleza e potencialmente atrativa ao turismo. Apesar da justa causa, não podemos aceitar o freio de mão como o único instrumento disponível para barrar o avanço de práticas irresponsáveis e descomprometidas. Não podemos tampouco, a fim de justificar o impedimento da construção, simplificar as coisas transformando todo interesse comercial em predatório e incompatível com a preservação de valores urbanísticos. Há sim um pressuposto inaceitável, e algo ofensivo, na argumentação de João Ubaldo, não é de se estranhar por isso a postura de Pinheiro — ainda que o censuremos.
João Ubaldo poderia ter usado sua inteligência para encaminhar a discussão num sentido importante, considerando a necessidade de construir ferramentas institucionais de controle de abusos e preservação, mas preferiu, talvez pelas limitações próprias a uma coluna, um tom panfletário e uma argumentação psicológica. Espero que a Ilha tenha melhor sorte que Salvador, mesmo que às custas de uma manobra precária como manutenção de seu isolamento, como única estratégia de salvaguarda. Embora eu prefira a segurança das leis e de uma fiscalização eficiente.
Atualização – Paulo Souto afirmou que “Wagner mostra que não aceita nem a crítica nem respeita o contraditório”. As palavras de Wagner antes de ter discordado de João Ubaldo:
João Ubaldo é um grande escritor, não sei se é um grande urbanista, mas tem o direito de emitir a opinião dele
Desonestidade é instrumentalizar um debate necessário em benefícios de seus próprios interesses eleitorais. Mal disfarçando uma distorção proposital e grosseira. Aceitar o contraditório não é compactuar com a opinião contrária