Antes do blog começar convidei dois amigos para escrever. A ideia era produzir textos, ensaios, sobre literatura a partir de três formações distintas: em Filosofia, Teologia e Letras. Um deles casou e sumiu no mundo. O outro, ou melhor, a outra, soterrada sob a concretude das ocupações cotidianas, também nunca cumpriu a promessa de participar. Resultado: do projeto inicial restou apenas o pretensioso título. Santa Maria, a propósito, não é o município do Rio Grande do Sul — vocês devem imaginar quanta gente não chega aqui através dessa referência. É a cidade fictícia pensada pelo escritor uruguaio Juan Carlos Onetti. O gênio de Onetti só encontrou limites nas barreiras políticas que articulam o espaço dos grandes nomes da literatura internacional. Mas os leitores atentos lhe reservam prontamente um lugar entre os mais destacados e inventivos nomes da literatura do século passado. Aqui no Brasil, infelizmente, seu reconhecimento é ainda menor. Digo, entre a maior parte dos leitores. Lembro que, quando criei o blog, o verbete “Onetti” nem mesmo existia no Wikipedia em português. Eu tive que criá-lo.
Eu gosto especialmente do desencanto dos seus personagens — tão intimista. E da atmosfera de interioridade que parece contaminar a própria escrita, o modo como ela se arranja. Onetti parece algo distante de outros grandes nomes da literatura latino-americana, como Cortázar, Borges, Bioy, Sabato. Guarda, porém, a mesma elegância. Mas há grandes diferenças. Eu sinto que há um domínio psicológico marcante, embora não traduzido em conceitos e descrições psicológicas, mas manifesto em ambientes, gestos e outras estratégias. Ao meu ver, essa é uma singularidade que distingue Onetti dos seus pares latino-americanos. Com isso a dimensão da sua literatura parece se alargar, ganhando espessura e complexidade. Mas esse é o breve e impreciso comentário de um amador, descartem-no se acharem conveniente. Sinto-me incapaz de falar extensivamente sobre Onetti. Esse parece o ofício de alguém que dispõe de um olhar mais detido que o meu. Leiam-no vocês mesmos!
Bem, para comemorar as duas ocasiões resolvi recortar uma das minhas passagens favoritas do livro Deixemos falar o vento. E além disso, oferecer a vocês a entrevista que Onetti concedeu a Soler Serrano, na TV pública da Espanha. A entrevista não é legendada, portanto, só interessará aos que conseguem entender o espanhol.
Há já muitos anos atrás, eu tinha sabido que era necessário pôr, num mesmo saco, os católicos, os freudianos, os marxistas e os patriotas. Quero dizer: quem quer que tivesse fé, não importa em que coisa. Quem quer que opine, saiba ou atue, repetindo pensamentos aprendidos ou herdados. Um homem com fé é mais perigoso que um animal com fome. A fé os obriga à ação, à injustiça, ao mal; é bom escutá-los concordando, medir, em silêncio cauteloso e cortês, a intensidade de suas lepras e dar-lhes sempre razão. E a fé pode ser posta e atiçada no mais desdenhável e subjetivo. Na alternante mulher amada, num cão, numa equipe de futebol, num número de roleta, na vocação de toda uma vida.
O leproso se exalta quando discute, sua cheiros fosfóricos diante da menor ou suspeitada oposição, tenta afirmar-se — ou a sua fé — pisando cabeças ou intimidades ternas, sagradas. Para concluir — penso em Pablo e na sua idade — um homem contaminado por qualquer classe de fé chega velozmente a confundi-la consigo mesmo; é a vaidade, então, que ataca e se defende. Com a ajuda de Deus, é melhor não os encontrar pelo caminho; com a própria ajuda, é melhor mudar de calçada.
Uma passagem reflexiva.
Eu poderia disponibilizar a entrevista via torrent, mas assim ela estaria subordinada a minha disponibilidade para semear. Isso duraria pouco mais que uma semana. Resolvi então oferecer os links armazenados no Rapidshare. Assim, vocês poderão baixá-la a qualquer momento. O processo é simples:
1. Baixem e instalem o Tucan (programa que gerencia links de sites de armazenamentos).
2. Depois baixei o aquivo TXT que contém os links que contém os links e os adicione ao programa, ao Tucan.
Todo o crédito pelos links é do pessoal do forum Vagos.
Aproveitem, nos próximos dias postarei outras entrevistas interessantes. E quem sabe, outros recortes.
Atualização – Uma reunião de trechos de entrevistas com Onetti em português.