Escrevo inspirado pelo texto de Pedro Doria, Olavo de Carvalho e Michael Moore, e pelos comentários fervosos dos preponentes de Olavo.
Primeiro é preciso registrar, uma dúvida possível não é uma dúvida efetiva. Eu invoco o padroeiro:
But that is not to say that we are in doubt because it is possible for us to imagine a doubt. I can easily imagine someone always doubting before he opened his front door whether an abyss did not yawn behind it, and making sure about it before he went through the door (and he might on some occasion prove to be right) — but that does not make me doubt in the same case.
Wittgenstein, Philosophical Investigation, § 84
O que Olavo não compreende — diferente de todos os outros seres racionais não afetados patologicamente — é que a possibilidade de formular uma dúvida não garante sua efetividade. Mais do que isso, ele não enxerga que há padrões comunitários de verificação e refutação longe dos quais qualquer afirmação carece de sentido. Para usar um vocabulário perigoso, mas ilustrativo — é preciso que as afirmações digam que circunstâncias elas afirmam e, sobretudo, que situações poderiam torná-las falsas. Tá bem, não vou trilhar o perigoso caminho do falsificacionismo dogmático, quero apenas destacar um aspecto, Pedro assinala:
Alguém diz que o Obama não apresenta documentos, aí ele apresenta. Então dizem que o documento é falso porque não tem selo. Aí alguém vai lá, vê o selo, fotografa o selo. Então dizem que não basta que nem era um documento apenas um comprovante de que o documento existe. Aí sugere-se que, se ele não fosse elegível nos EUA, seus adversários teriam investigado isso – e este argumento não vale como argumento. Sabe o que vai convencê-lo Chesterton? Só uma afirmação de que o documento é falso vai convencê-lo.
Essa tentativa de salvar uma alegação a todo custo testemunha não o esforço de confirmar ou falsificar uma tese, mas o projeto de impor um princípio de leitura. Daí que ele não se detenha nas etapas em que nós seguramente estancaríamos, julgando-as suficientes para dissolver as dúvidas, e retroceda indefinidamente em busca de uma prova para seu princípio. Qual é o limite desse retrocesso? Ele só pára, Pedro notou bem, quando confirma seu princípio — no caso particular em discussão, quando confirmar que o documento é falso.
Serei ainda mais grosseiro — para ser ainda mais ilustrativo: ele não vai ao mundo confirmar uma hipótese, ao contrário, ele fabrica um mundo no qual sua hipótese seja verdadeira. Pode-se pensar, em filosofia da ciência, que esse método seja perfeitamente legítimo — visto que a idéia de um mundo contraposto a um sujeito que afirma algo sobre ele guarda resíduos metafísicos —, mas no lastro da ciência há uma noção de comunidade científica, isto é, de um grupo que inserido em contextos não apenas científicos mas políticos, decide sobre a forma como os enunciados científicos irão moldar o mundo. A impressão que se tem quando se lê Olavo de Carvalho é que ele quer substituir esse tribunal comunitário, que é apenas a imagem que apresenta a noção de “convenção” como indispensával ao desenvolvimento científico, pela suas próprias resoluções. Por essa razão os textos de Olavo tem quase sempre um sabor de esquizofrenia, de quem está constantemente disposto a abdicar da coletividade em nome padrões estritamente individuais (ele é o próprio Leviatã). E não há apelo à autoridade..
Olavo de Carvalho é o maior filósofo brasileiro vivo e o analista político com maior capacidade de análises de longo prazo. Quem o lê, sabe.
que o resgate desse covil — porque ele não está errado, ele apenas não está entre nós. Ele tem seu mundo próprio, onde vigoram leis e princípios próprios. Se você simpatiza com esse mundo, bem, paciência. Talvez você ache que o Olavo é o “maior filósofo brasileiro”. Aqui, do lado de fora, onde nós concordamos razoavelmente sobre os instrumentos de verificação e refutação, sobre os meios pelos quais conversar, concordar e discordar pontualmente, os resultados de nossas avaliações caminham na direção contrária, conduzindo inevitavelmente à marginazação de figuras como Olavão. Aliás, — vejam se minha teoria parece sensata — isso explica por que personagens como Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi, Bruno Tolentino, Reinaldo Azevedo se fecham em grupos e investem violentamente contra representantes de um certo sistema discursivo que não contempla seus interesses. Ou por que Mainardi precisa se afirmar destituindo de seu lugar Antonio Candido, ou por que Bruno Tolentino só se ergue mediante ataques a Augusto e Haroldo de Campos, ou a Giannotti, ou cantando loas ao próprio Olavo.
Não se trata de confirmar ou afirmar nenhuma tese, mas de substituir os padrões e os princípios vigentes pelos seus. Eles não querem nada além disso. O ponto central envolvido nas discussões de Olavo não é saber se ele está certo ou errado, mas considerar as razões para abandonar o modo como costumeiramente infirmamos ou validamos idéias em favor da maneira olaviana.
É a patente ausência de razões que nós leva a preteri-lo e a anunciar, não sua decreptude, pois ele nunca esteve em outra condição, mas sua irrelevância. O fato de que ele não tenha ensinado em Universidades de renome é um bom indicador, mas ainda não toca o essencial: Olavo de Carvalho é um filósofo ruim. Afirmar o contrário é abandonar os critérios empregados no Brasil — e no mundo — para aferir o bom trabalho filosófico. É uma questão de coerência, não de erro. Genericamente é fácil afirmar sua grandeza, mas que trabalho seu resiste a uma análise apurada? Trabalhos filosóficos, claro, jamais compraria a briga envolvida em suas “análises políticas”, pois ainda guardo alguma sanidade. Caso você se sinta embaraçado em enumerar as obras significativas desse “filósofo”, não se preocupe, nenhum outro sentimento seria esperado. Elas não existem. É que infelizmente, em filosofia, qualquer um se sente habilitado para dizer quem é ou deixa de ser o maior filósofo daqui e de acolá. Pobre daqueles que investem anos de suas vidas a perscrutar incansavelmente centenas e centenas de livros, que eles podem dizer diante do gesto simples que, arvorado em um ou dois livros, decide proclamar a maioridade de alguma figura estranha? Resta saber se os incautos, com a mesma facilidade com que se põem a sentenciar sobre maioridade dos filósofos, sustentam alguma posição sobre quem é “o maior físico”, ou “o maior matemático”, ou “o maior lógico”. Às vezes eu penso que não seria má idéia se os livros de filosofia só fossem publicados em alemão. Não evitaríamos os Olavos — mas não é preciso evitá-los — mas a turba de mentecaptos buzinando bobagens a torto e a direito sobre os ombros de um “grande filósofo”.
PS. O título foi provocativo!, como vocês podem ter notado.
O título é modesto já que o texto, entre muitas outras evidências, não prova que Olavo de Carvalho é uma porcaria, mas sim que é um belo de um filho de uma puta vigarista.
Rapaz, que texto excelente.
Você escreve muito bem e a análise foi ótima, até favoritei aqui para ler mais do seu blogue.
Eu conhecia o Olavão por "ouvir dizer" e pelos textos políticos, mas foi somente quando fui me debruçar sobre um texto filosófico dele que notei sua pobreza como pensador. O Olavo é realmente ruim, ruim mesmo, independentemente de qualquer concessão que façamos ao seu texto. Como o texto dele tocava meu tema de mestrado, escrevi sobre ele me esforçando para fazer a argumentação dele funcionar, mas ela era mesmo capenga, apressada e descuidada, e a minha generosidade não conseguia fazer nada por ele.
Saiu isso aqui:
https://aoinvesdoinverso.wordpress.com/2015/04/24/analise-descartes-e-a-psicologia-da-duvida-olavo-de-carvalho/
Aliás, parabéns pelo blogue, voltarei para ler mais.